sábado, 12 de março de 2011

Cinema de dar água na boca

 
Sejamos sinceros, um pouco de bairrismo não faz mal a ninguém, certo? Quem não fica orgulhoso quando alguém de sua cidade ou estado se destaca no esporte, nas artes ou na música? Este ano, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (o que sempre chamaremos de o Oscar tupiniquim) ficou com um filme produzido no Paraná, dirigido por um paranaense e totalmente rodado em Curitiba. O que mais deixa feliz, porém, não é o sentimento ufanista, mas a sensação de justiça. ‘Estômago’ é um filme brilhante, senão o melhor, um dos melhores produtos nacionais que passaram pelas telas no ano passado.
‘Estômago’ é o primeiro longa-metragem dirigido por Marcos Jorge, que revelou seu talento em 2002, com o ótimo curta ‘O Encontro’. Para quem pensa que a empreitada foi bancada por uma grande produtora e pelo marketing da Globo Filmes, negativo. O filme foi concebido pela Zencrane Filmes, de Curitiba, com quase toda a equipe radicada no Estado. Ainda assim, fez frente ao internacional Fernando Meirelles, com seu ‘Ensaio Sobre a Cegueira’, ao igualmente consagrado Walter Salles de ‘Linha de Passe’ e ao hype global de ‘Meu Nome Não é Johnny’.
Não há muitos mistérios em ‘Estômago’. É uma obra que cativa pela sua simplicidade, pelo talento de seus atores e pela fluidez de uma história bem contada. Raimundo Nonato (João Miguel) é um migrante que chega do nordeste a Curitiba, onde começa a trabalhar como cozinheiro em um boteco. Seu talento com a gastronomia impulsiona o lugar e faz com que não demore muito a ser contratado por um restaurante fino. Sabemos, porém, que no futuro ele foi parar na cadeia, onde os mesmos dotes culinários fazem com que vá ganhando respeito entre os detentos. As duas histórias correm paralelas até que se revele o motivo pelo qual sua carreira promissora terminou atrás das grades.
Talvez o principal mérito do diretor Marcos Jorge foi ter se livrado do dilema que acompanha a grande maioria das produções nacionais contemporâneas: ou se opta por um cinema popular, que descamba para o publicitário e novelesco; ou envereda-se por uma linha mais ‘cabeça’, dialogando com a crítica e se afastando do público. ‘Estômago’ não cai em nenhuma das armadilhas. Ao mesmo tempo em que desenvolve sua narrativa com leveza e bom humor, constrói um roteiro sólido, sustentando até o final o suspense da história, sem apelar a maiores chavões.
Para não dizer que estou puxando a brasa para o lado dos paranaenses, faço uma menção especial ao baiano João Miguel, ator que a cada filme se sobressai ainda mais. Fica difícil imaginar o personagem no corpo de outro intérprete, sem que caísse na canastrice ou no caricato. Babu Santana, premiado como ator coadjuvante, e o titã Paulo Miklos são os ‘estrangeiros’ que abrilhantam o elenco, nativo em sua maioria.
Não esqueçamos que, acima de tudo, ‘Estômago’ é um filme sobre comida, essa necessidade humana capaz de ser transformada em arte. Àqueles que também gostam de desenvolver suas habilidades na cozinha, cabe atentar aos extras nos quais estão disponíveis as receitas de Raimundo Nonato. Ademais, bom apetite a glutões e cinéfilos.

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