sábado, 12 de março de 2011

Jogo de espionagem

O fim da Guerra Fria trouxe consigo a retração em um gênero cinematográfico que já rendeu muitos bons frutos: o dos filmes de espionagem. Sem um grande inimigo oculto para seguir os passos, os norte-americanos foram deixando de lado as peripécias e histórias rocambolescas de quem é (ou um dia foi) pago para desvendar segredos. A disputa política pode até ter sido amenizada, mas ainda existem outras guerras veladas, longe dos olhos da população. Uma delas a do mundo corporativo, para a qual finalmente algum cineasta se voltou. ‘Duplicidade’ pode estar longe dos clássicos protagonizados por espiões, mas que revigora o gênero com classe, isso não se pode negar.
Quem tomou a iniciativa foi alguém que há pouco tempo já havia manifestado sua preocupação com o que acontece no universo das grandes corporações: Tony Gilroy, que em 2007 desvelou uma intricada trama no meio advocatício em ‘Conduta de Risco’. Diferentemente de sua estreia, em ‘Duplicidade’ o diretor resolveu não levar a coisa tão a sério. Enquanto no primeiro predominava um clima de tensão, com vidas em risco, nesse último há um bom humor que torna o conflito mais suave.
Para começo de história, Gilroy parece ter acertado em cheio na escolha de seus protagonistas. Clive Owen e Julia Roberts têm aquela mistura de charme e canastrice que parecem ter saído diretamente dos anos 70, dominando a plateia com plena segurança. Os dois interpretam Ray e Claire, ex-espiões de agências governamentais que hoje trabalham para empresas privadas. Após se conhecerem em uma missão, se reencontram e mantêm uma relação dúbia, entre o envolvimento amoroso e a dedicação profissional.
Trabalhando para companhias rivais, os dois se unem para praticar um golpe que lhes renderá dividendos para toda a vida. Sua tarefa é descobrir um misterioso e revolucionário produto em desenvolvimento por uma empresa de produtos de higiene. Entre idas e vindas no tempo, num jogo de duplos papéis, como aponta o título, Gilroy faz o que seria uma espécie de ‘Sr e Sra. Smith’ substituindo as balas pelo raciocínio.
O objetivo da trama é evidentemente propor um quebra-cabeça ao espectador, o qual se mantém sempre com um pé atrás entre o que é realidade e o que é representação. Por vezes, o roteiro se perde um pouco no emaranhado de táticas empresariais e no jogo de cena de seus personagens. No entanto, o leve humor, que não chega a fazer rir e dá ao espectador a confiança para não levar nada tão a sério, contribui para que a narrativa não esmoreça.
É uma pena que ‘Duplicidade’ se concentre demasiadamente na dupla de protagonistas e acabe não abrindo muito espaço para dois atores talentosíssimos, Paul Giamatti e Tom Wilkinson. Representando os donos das duas corporações, eles têm pouca presença na história, deixando uma clara sensação de subaproveitamento. De todo modo, o filme consegue divertir e exercitar o cérebro, dando mostras de que Tony Gilroy, se bem encaminhado, tem um futuro promissor pela frente.

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