sábado, 12 de março de 2011

O peso da interrogação

 
Lidar com o grande público de cinema parece simples. São aquelas pessoas que saem de casa para se divertir, abstrair com algo que está a curto alcance de sua compreensão. Pensar é permitido, claro, mas nada que tenha a complexidade de uma fórmula química e, principalmente, que não deixe conclusões em aberto. Como tratar então um filme como ‘Dúvida’, que tem uma narrativa simples, elementos que prendem a atenção, mas é feito de vários pontos de interrogação? Inclusive no seu desfecho, que faz jus ao título.
‘Dúvida’ fez sucesso como peça teatral, premiada e acumulando temporadas na Broadway. Não satisfeito com tudo isso, o próprio autor, John Patrick Shanley, decidiu fazer uma adaptação para o cinema. O filme teve bem menos sucesso e repercussão do que nos palcos, o que é facilmente justificável. Além de fugir da fórmula descrita no primeiro parágrafo, a produção acaba não se tornando tão envolvente quanto poderia.
A história se passa em um colégio católico do Bronx, em Nova York, no inverno de 1964. Madre Aloysius (Meryl Streep) é a diretora da instituição, conservadora e moralista ao extremo, daquelas figuras que todos os alunos temem. Seu superior, o padre Flynn (Philip Seymour Hoffmann), é exatamente o oposto: bem-humorado e de mente aberta, tem a simpatia dos estudantes. Um deles, em particular, será o pivô da polêmica que move a história: o primeiro garoto negro admitido pela escola, a quem o padre dedica atenção especial.
O comportamento de padre Flynn em relação ao garoto suscita na madre a suspeita de que esteja ocorrendo um caso de pedofilia. A dúvida é levantada pela professora do menino, a jovem irmã James (Amy Adams). O que era uma suposição da freira se transforma em convicção aos olhos de madre Aloysius, que pretende levar o caso até as últimas consequências.
A partir daí, se inicia um embate que tem diversas facetas: suposição versus fato, conservadorismo versus progressismo, disciplina versus liberdade. O autor e diretor acerta ao expurgar qualquer tipo de maniqueísmo. Toda a narrativa se sustenta na ausência de um único direcionamento. Os principais elementos para o espectador formar seu juízo vêm daquilo que não é visto, não é ouvido e nem sempre é dito. Assim como aos personagens, a dúvida irá atormentá-lo até o final. E depois dele.
Como poucos filmes vistos recentemente, ‘Dúvida’ traz um duelo de titãs nas interpretações. Meryl Streep justifica por que é a atriz mais indicada ao Oscar da história do cinema (claro que esse trabalho rendeu mais uma indicação). Seu personagem é tirânico a ponto de ser repulsivo, às vezes exagerado até. Philip Seymour Hoffmann mantém com desenvoltura a aura de bonzinho que pode esconder algo terrível. Extremamente cândida, Amy Adams é oposto da megera, quase que pedindo compaixão ao espectador. Por fim, Viola Davis aparece por dez minutos como a mãe do garoto. É o suficiente para roubar a cena e marcar presença pelo restante do filme.
Mesmo com tudo isso, ‘Dúvida’ ainda não consegue ser um filme inesquecível. A previsibilidade e o ritmo arrastado de algumas sequências prejudica o seu resultado final, mas não o suficiente para tirar o grande ponto de interrogação quando sobem os letreiros. Cabe a você decidir se isso é bom ou ruim.

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