quinta-feira, 10 de março de 2011

Entre a vida e a morte

A experiência adquirida ao longo de seus 80 anos de vida, sendo uma boa parte deles dedicada ao cinema, tem feito com que Clint Eastwood exercite a atividade de diretor com a tranquilidade de quem já não tem muito com o que se preocupar a essa altura do campeonato. A serenidade de quem já não precisa provar mais nada para ninguém parece ter um efeito mais pacificador do que em qualquer outro grande cineasta de Hollywood. Entre belas obras e outras nem tanto, Eastwood parece dominar com cada vez mais segurança o ofício de diretor. Seu mais recente trabalho, ‘Além da Vida’, pode não estar entre os melhores, mas é seguramente o mais autoral.
Como já escrevi aqui em outras oportunidades, Clint Eastwood não é um diretor inventivo ou provocador. É alguém que gosta de fazer filmes à moda antiga, narrando histórias de vida com seu começo, meio e fim, sem grandes truques. O que o veterano diretor domina como poucos é a arte da narrativa, de saber conduzir suas tramas sem precisar recorrer a subterfúgios que desviem a atenção do espectador para outro foco. É como aqueles velhos contadores de histórias que podem narrar o fato mais convencional do mundo, mas que só perderão a atenção dos ouvintes após a última palavra.
Não deixa de ser intrigante que, após tantas histórias de heróis e bandidos em conflito com o mundo e consigo próprios, Eastwood tenha resolvido agora tratar de vida após a morte. Sem meios termos, essa é a essência de ‘Além da Vida’: a saga de três personagens que vivenciam experiências com o universo daqueles que já se foram. É, sem dúvida, um território perigoso, por estar relacionado às crenças de cada um e onde um deslize para o piegas ou o didatismo seria fácil, fácil.
Marie (Cécile de France) é uma jornalista francesa em férias na Tailândia. Após ser vitimada por um tsunami, vive uma experiência de quase morte e tem dificuldades para se readaptar à vida normal.  Nos Estados Unidos, George (Matt Damon) é um médium que abandonou a atividade para trabalhar na indústria e se desvencilhar dessa relação com os mortos. Por fim, Marcus (George McLaren) é um garoto inglês que perde o irmão gêmeo em um acidente e tenta, a todo custo, estabelecer algum tipo de comunicação com ele.
Desde o início o diretor deixa claro que, de alguma maneira, acredita em uma ligação entre a vida terrena e o mundo dos mortos. Porém, com toda a habilidade que lhe é peculiar, Eastwood não deixa que o filme se torne panfletário, a exemplo da recente safra espírita do cinema brasileiro. No fundo, o cerne da história não é a vida após a morte, mas o mistério que se impõe sobre isso. Não somos levados a acreditar em teses ou crenças, mas a compartilhar as angústias terrenas dos personagens, tão reais quanto as nossas. 
Não é segredo para o espectador que o clímax de ‘Além da Vida’ será o encontro dos três personagens principais. Como um velho mestre, Eastwood prepara esse desfecho com paciência e naturalidade, sem forçar a barra para tentar causar algum choque. Se não tem a grandeza de ‘Os Imperdoáveis’, ‘Sobre Meninos e Lobos’ ou ‘Gran Torino’, tem a dignidade que cabe a todo gênio.

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