quarta-feira, 9 de março de 2011

Criatividade no espaço

Dia desses, ao observar as estreias do cinema, me dei conta de quão grave é a crise de criatividade pela qual atravessa a produção atual. Estamos sendo bombardeados por uma leva de continuações, refilmagens e adaptações de obras clássicas, o que a meu ver indica uma dificuldade jamais vista de se buscar uma história minimamente original. É a era do mais do mesmo. Talvez por isso uma história como a de ‘Lunar’, de uma inventividade rara nos dias de hoje, tenha me impressionado sobremaneira. Especialmente em um gênero que já não parece mais ter a força de épocas anteriores, a ficção científica.
Obra de um estreante, o diretor Duncan Jones, ‘Lunar’ foi solenemente ignorado pelos distribuidores brasileiros, que preferiram lançá-lo diretamente em DVD. A exemplo do que ocorreu com ‘Guerra ao Terror’, posteriormente consagrado pelo Oscar. ‘Lunar’ não teve a mesma felicidade, mas a comparação serve para ilustrar a miopia do mercado cinematográfico nacional, que ao subestimar algumas obras acaba relegando-as ao limbo dos incansáveis cinéfilos.
Em um futuro incerto, a lua é a galinha dos ovos de ouro da humanidade. A empresa Lunar Industries é responsável por retirar do satélite uma substância que garante a energia necessária para o desenvolvimento da Terra. Na estação onde esse trabalho é realizado está um astronauta solitário, Sam Bell (Sam Rockwell), que coordena todas as atividades ao lado do computador Gerty (cuja voz é de Kevin Spacey). Prestes a voltar para casa, Sam começa a delirar e sofre um acidente. Na volta, depara-se com um clone seu dividindo o local de trabalho.
Contar mais seria estragar a agradável surpresa que é assistir a ‘Lunar’. Claramente inspirado no clássico ‘2001 – Uma Odisseia no Espaço’, é um filme que inicialmente dá mostras de seguir a linha David Lynch, com mistérios surreais e inexplicáveis. À medida em que avança, contudo, se mostra uma obra instigante, que reflete sobre a solidão, a distância de casa e a própria condição humana. Suspense e drama se combinam na medida certa, sem apelar a excessos ou à pieguice.
Além do roteiro enxuto e bem elaborado, ‘Lunar’ tem como um de seus trunfos maiores Sam Rockwell. O ator, que vem sendo valorizado em alguns papeis, mas ainda não despontou para o estrelato, se sobressai ao protagonizar um embate consigo mesmo. Convenhamos, interpretar uma pessoa e seu clone sem descambar para o caricato não é para qualquer um. Desafio ainda maior por ser praticamente o único intérprete de todo o filme, contracenando com um cenário vazio, solitário e enigmático.
Isso sem contar o computador Gerty, quase que uma reedição do HAL 9000 de ‘2001’, com sua voz fleumática e amigável. A diferença é que o novo personagem ganhou um ‘smiley’ eletrônico para ilustrar suas expressões. A estética, os silêncios, a sequência embalada por música clássica, quase tudo remete ao filme de Kubrick, mas sem soar como imitação barata ou plágio descarado. ‘Lunar’ tem vida própria, com uma história extremamente bem conduzida, cheia de nuances e surpresas. Um achado e tanto para quem já se acostumou a sessões contínuas de previsibilidade.

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