quarta-feira, 9 de março de 2011

Amizade em tons sombrios


Não é de hoje que animação deixou de ser algo exclusivamente para crianças, com histórias edificantes protagonizadas por personagens simpáticos. O que falta ainda é algum tipo de alerta aos pais, para que não sejam surpreendidos ao levar para seus filhos pequenos filmes com desenhos bonitinhos na capa, mas com situações que possam impactar a criançada. É o caso da animação australiana ‘Mary e Max – Uma Amizade Diferente’, que a princípio parece algo leve e divertido, mas aborda sem muitos eufemismos temas complexos como solidão e morte.
‘Mary e Max’ é escrito e dirigido por Adam Elliot, que ainda não é um conhecido do grande público. No seu currículo constam um Oscar e um prêmio Anima Mundi pelo curta-metragem animado ‘Harvie Krumpet’. A técnica utilizada pelo diretor é a do stop motion com bonecos de massinha, em que cada cena é fotografada quadro a quadro. Para exemplificar, é o mesmo estilo adotado em ‘Wallace e Groomit – A Batalha dos Vegetais’, que garante um efeito estético dos mais interessantes.
Nesse filme, Mary e Max são dois personagens de idades distintas, vivendo em locais diferentes, mas que guardam algumas similaridades entre si. Mary é uma garota de oito anos, solitária, que vive na Austrália com a mãe alcoólatra e é ridicularizada por ter uma mancha na testa. Max, com mais de 40 anos, vive em Nova York também imerso em sua solidão. Ele não tem amigos, divide um quarto de apartamento com alguns bichos e há anos mantém a mesma rotina semanal. Circunstâncias fazem com que os dois passem a se corresponder por cartas, iniciando assim uma amizade de muitos anos, mantida exclusivamente por correspondência.
‘Mary e Max’ tem um pouco do tom farsesco dos desenhos animados, utilizando-se de caricaturas e explorando algumas situações cômicas. Por conta disso, às vezes passa a impressão de ser uma história bem-humorada, voltada ao público infantil. Em sua sutileza, porém, a animação vai abordando questões mais delicadas, que vão da solidão e do preconceito, chegando ao alcoolismo, depressão e até mesmo suicídio. Um tratamento que não chega a ser explícito, mas também não suaviza tanto seu impacto.
Uma das críticas a ‘Mary e Max’ é de que seu diretor ficou no meio do caminho, não se definindo entre uma produção direcionada ao público adulto ou algo mais voltado para a plateia infantil. A meu ver, esse é o principal trunfo da produção, que por manter alguns traços das animações infantis, não deixa que se torne algo completamente melancólico. Entre risos e lágrimas, é possível captar elementos de diferentes animações, como a melancolia de ‘Wall-E’, o realismo de ‘Persépolis’ ou a sensibilidade de Hayao Miyazaki (‘A Viagem de Chihiro’).
O cuidado do diretor Adam Elliot na composição de seus personagens é tão grande quanto o adotado para sua formatação estética. O universo desajustado e tristonho de seus protagonistas é pintado em cores cinza e marrom, com especial atenção aos detalhes das cenas e às expressões faciais. A trilha sonora, aliada às vozes de Phillip Seymour Hoffmann e Toni Colette, são outros ingredientes que fazem de ‘Mary e Max’ uma pequena e encantadora joia.

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