sexta-feira, 4 de março de 2011

A beleza da morte

Tudo que se relaciona à morte traz consigo um misto de medo, curiosidade e até uma certa ojeriza. Talvez porque todos nós estamos fadados a ela, como diz um ditado popular, a única certeza da vida. Em ‘A Partida’, o foco não é exatamente o aspecto espiritual, para o qual a maioria das pessoas se volta, à procura de uma perspectiva sobre o que existe do outro lado. Nesse belo filme japonês, a questão é o trato físico com os mortos, a dificuldade em aceitar que um cadáver nada mais é do que uma vida que chegou ao fim de seu ciclo.
A produção, dirigida por Yojiro Takita, arrebatou o Oscar de filme estrangeiro em 2009, superando os favoritos e mais badalados ‘Valsa com Bashir’, de Israel, e ‘Entre os Muros da Escola’, da França. O questionamento à premiação, ao se comparar os três concorrentes, é legítima, mas não deve servir para ofuscar os méritos de ‘A Partida’. Sua narrativa pode ser mais convencional, já que consiste no bom e velho melodrama, mas isso não significa algo desprovido de méritos.
Na trama, Daigo é um violoncelista que, ao perder o emprego com a dissolução de sua orquestra, se vê obrigado a deixar Tóquio e retornar à sua pequena cidade natal. Lá, consegue emprego em uma empresa que prepara corpos para funerais. Diferentemente do ocidente, onde isso é feito reservadamente, no Japão esse é um ritual executado na frente dos familiares, com todos os requintes de tradição. A atividade, porém, é vista com maus olhos. A esposa de Daigo não se conforma com o trabalho e o abandona. Um amigo lhe diz para arrumar um emprego decente. Contrariando as opiniões, o rapaz segue adiante, porque vê naquela atividade seu grande talento.
É claro que a história traz consigo algum impasse familiar envolvendo o protagonista. Ele não conhece o pai, que abandonou sua mãe quando ainda era pequeno. Os resquícios daquilo que seria a memória de seu pai e a tentativa de ao menos recordar sua feição movem o personagem até o desfecho, previsível, mas não menos tocante. Elementos que compõem uma narrativa sem grandes sobressaltos e invencionices, mas que de uma maneira peculiar emocionam, e muito.
Em dado momento, ao discutir com a esposa insatisfeita com seu trabalho, Daigo sentencia: ‘todos nós vamos morrer’. Essa é um pouco a ideia que permeia ‘A Partida’, de que a morte é um evento natural e obrigatório, cabendo a cada um encarar esse rito de passagem. O próprio personagem principal, cuja primeira experiência é repugnante, aos poucos vai entendendo a beleza escondida em seu trabalho. Assim como os familiares dos mortos, que em meio à tristeza da perda veem o conforto de uma despedida digna. 
A função básica de um melodrama é aflorar os sentimentos, coisa que ‘A Partida’ faz com maestria. Não através da estratégia do choro fácil, dos diálogos prontos. Mas com a sutileza que caracteriza os orientais, juntando uma série de pequenos elementos que formam um mosaico às vezes cinzento, às vezes colorido. Tem seus traços de conservadorismo, mas que se deixam esquecer entre uma virtude e outra.

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