sexta-feira, 4 de março de 2011

Desesperança e ternura


Quando se lê um livro como o best seller ‘A Estrada’, de Cormac McCarthy, não é difícil imaginar uma adaptação cinematográfica. Apesar dos poucos personagens, a narrativa que descreve em detalhes uma peregrinação pelo que restou da civilização em um futuro pós-apocalíptico não traz dificuldades para que o leitor molde as imagens em sua mente. Tanto é que o próprio escritor deu suas bênçãos à adaptação cinematográfica, que consegue transpor com muita eficiência o clima angustiante da obra literária.
O norte-americano Cormac McCarthy é mais conhecido dos espectadores de cinema por ter escrito a obra que deu origem a ‘Onde os Fracos Não Têm Vez’, a premiada produção dos irmãos Coen. ‘A Estrada’, contudo, é seu trabalho mais consagrado, tendo vendido milhões de exemplares e abocanhado o prêmio Pulitzer. Quem tomou peito de transformá-lo em filme foi uma dupla que está longe do primeiro time de Hollywood: o diretor australiano John Hillcoat (‘A Proposta’) e o roteirista Joe Penhaal, premiado como dramaturgo, mas incipiente no cinema.
Não há muita história em ‘A Estrada’. Nos Estados Unidos devastado por um evento cataclísmico do qual quase nada se sabe, um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit McPhee) perambulam por uma estrada deserta lutando pela sobrevivência. Seu objetivo é chegar à costa leste, onde acreditam que possa haver melhores condições de vida. Além do frio e da fome, os dois precisam fugir de gangues canibais, outros dos poucos sobreviventes que ainda povoam o país.
O roteiro de Penhaal se mantém fiel ao livro, relatando em flashbacks o que aconteceu com a esposa do homem e mãe do garoto (vivida por Charlize Theron). São alguns dos detalhes que enriquecem a narrativa, concentrada na figura de pai e filho. Entre algumas situações de perigo e outras de esperança, encontram alguns raros personagens, como os de Guy Pearce e do veterano Robert Duvall, ambos quase irreconhecíveis.
Apesar da aparente ausência de história, ‘A Estrada’ possui uma carga dramática intensa, a qual se fundamenta em dois aspectos. Primeiramente na tensão que acompanha os personagens. O cenário de devastação criado pelo cineasta e sua equipe é assombroso, em todos os sentidos da palavra. Uma fotografia acinzentada e opaca (que contrasta com o colorido dos flashbacks pré-catástrofe) enfoca ruínas, árvores secas e paisagens consumidas pelo fogo. O que pai e filho podem encontrar em meio a essa desolação aflige e angustia o espectador na mesma medida que os protagonistas.
O segundo fator que sustenta a narrativa é o emocional. Mais do que uma história de desolação, McCarthy quis exaltar o amor entre pai e filho. Em meio a todas as incertezas e adversidades, o que move os dois em sua caminhada incansável é o sentimento mútuo. As interpretações seguras de Viggo Mortensen e do garoto Kodi Smith McPHee conseguem transmitir essa dramaticidade sem exagerar na dose. 
‘A Estrada’ pode não ser um filme tão fácil e agradável para se assistir, por conta de seu tom desesperançoso e do desfecho que deve desagradar aos mais conservadores. Porém, é um exemplo bastante digno de uma narrativa simples, mas bem engendrada e que em momento algum cai no lugar comum.

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