sexta-feira, 4 de março de 2011

Engajamento com bom humor

O cinema do britânico Ken Loach é de um tipo fácil de identificar: um cinema engajado, muitas vezes político e com os olhos voltados para os problemas sociais que afetam as classes trabalhadoras da Inglaterra. Por vezes é um cinema cru, em função de suas tonalidades realistas, mas não deixa de ter sensibilidade. De todos os seus trabalhos, ‘À Procura de Eric’ talvez seja o mais despojado. Ainda que mantenha o mesmo foco na população de classe média baixa e suas dificuldades, vê-se aqui um Loach mais bem humorado que o habitual.
O principal responsável por essa diferença é um dos protagonistas da história. Alguém bastante célebre, a despeito do hábito do diretor em relegar grandes astros e trabalhar com atores desconhecidos. Pode-se até dizer que se trata de um artista, apesar de estar fazendo sua estreia em uma produção cinematográfica: ninguém menos que o ex-craque de futebol Eric Cantona, francês que se celebrizou na Inglaterra, jogando pelo Manchester United. Sua fama decorre tanto do vistoso futebol exibido nos gramados quanto pelo temperamento forte que rendeu confusões fora deles.
Cantona foi escolhido para interpretar a si mesmo em uma história passada justamente nos subúrbios da cinzenta Manchester, onde foi ídolo de grande parte dos amantes do futebol. Lá vive um carteiro com o mesmo nome, Eric (Steve Evets), homem de meia-idade que não consegue superar seus relacionamentos passados. Abandonado pela última esposa, vive com o filho e o enteado deixados pela mulher. Nenhum dos dois lhe dá muito crédito, restando a ele cuidar sozinho da casa.
Eric é um fã incondicional de seu xará, que ocupa parte de seu quarto em um pôster gigantesco. Certa noite, enquanto reflete sobre seus problemas, o carteiro recebe a visita do próprio ex-jogador, que parece conhecê-lo como se fossem velhos amigos. A partir de então, Cantona passa a atuar como uma espécie de consciência sua, dando conselhos e receitando frases de efeito. O francês será seu conselheiro para iniciar uma nova vida, se reconciliando com o passado e encarando de frente os obstáculos do presente.
O cenário de ‘À Procura de Eric’ é aquele já conhecido dos fãs de Ken Loach: uma cidade sem muitas perspectivas, onde a vida se resume ao trabalho, bebedeiras em pubs e jogos de futebol. Como em todo subúrbio, a criminalidade se faz presente, funcionando como uma perigosa armadilha aos jovens. A diferença é que dessa vez o cineasta traça uma narrativa menos sombria, que tem sua dose de melancolia, mas também guarda pitadas de humor. A maior parte desses momentos é protagonizada por Cantona, que desempenha seu papel com naturalidade e carisma.
Loach também não deixa de lado outra marca de suas produções, a mensagem de humanismo e solidariedade, expressa através de uma sequência final inventiva e divertida. Em comparação a outras obras suas, como ‘Terra e Liberdade’ ou ‘Ventos da Liberdade’, temos um diretor menos sisudo, mas que não deixa de imprimir sua marca e fazer valer seu propósito maior, de fazer do cinema um instrumento de transformação social.

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