quinta-feira, 10 de março de 2011

Uma tragicomédia peculiar


O cineasta irlandês Neil Jordan é dono de uma filmografia tão extensa quanto irregular. É difícil enxergar em seus filmes uma marca registrada, algo que faça o espectador dizer: ‘sim, esse é um filme de Neil Jordan’. Os sobressaltos de sua carreira são perceptíveis em todos os sentidos, desde a temática dos filmes, passando pelo tratamento visual e chegando inevitavelmente à qualidade do produto final. Nessa trajetória oscilante, eu, particularmente, coloco ‘Café da Manhã em Plutão’, sua última produção, entre os pontos altos.
Para se ter uma idéia do que é a carreira de Neil Jordan, é ele o responsável por ‘Traídos pelo Desejo’, magnífico thriller político que traz uma das cenas mais surpreendentes da história do cinema. Por outro lado, fez o enfadonho terror existencial ‘Entrevista com o Vampiro’ e o suspense de Supercine ‘A Premonição’. Porém, ainda nos brindou com a fascinante história de um pequeno delinqüente no admirável ‘Nó na Garganta’. Em resumo, filmes bastante distintos em sua essência, com resultados idem.
É justamente com ‘Nó na Garganta’ que ‘Café da Manhã em Plutão’ guarda as maiores semelhanças. Até porque ambos os filmes são adaptações de obras do escritor irlandês Patrick McCabe, que também ajudou a escrever o roteiro. São histórias de vida peculiares, que aliam situações tragicômicas, pontuadas ora pelo choque, ora pela ironia, com algumas pitadas de surrealismo. É na habilidade em trabalhar com elementos tão díspares que reside o talento de Jordan, extraindo aquilo que ele tem de melhor como contador de histórias.
‘Café da Manhã em Plutão’ conta a história de Patrick ‘Kitten’ Braden, um garoto que ao nascer é abandonado na porta de uma igreja e entregue para adoção. Criado numa conservadora cidade da Irlanda, ainda adolescente começa a causar alvoroço, manifestando abertamente sua homossexualidade e outras atitudes pouco convencionais. Mais crescido e já como travesti, parte em uma odisséia para conhecer sua mãe em meio ao fervor da Londres dos anos 70. Nesse percurso tromba com personagens bizarros, vivencia conflitos políticos e experiências que beiram o absurdo.
O primeiro grande mérito do filme chama-se Cillian Murphy. O ator britânico, que se destacou interpretando vilões em ‘Batman Begins’ e ‘Voo Noturno’, encarna o papel principal de uma maneira assustadora. Ajudado pelo rosto com traços femininos, ele constrói a personagem com afetação, chegando até a ser caricato em alguns momentos. Seria ruim se não fosse esse o tom da história contada pelo diretor, de alguém que em meio a bombas explodindo e sufocado pelo preconceito, vive em um mundo à parte, transformando sofrimento em riso e poesia.
Nesse tom de fantasia, com direito a cenários e figurinos coloridíssimos, embalados por uma trilha sonora fenomenal (com algumas preciosidades da década de 70), Jordan constrói uma fábula tão divertida quanto melancólica. É bem verdade que em alguns momentos ele não consegue enquadrar com precisão a problemática do conflito político, que por vezes acaba soando gratuito e forçado. Mas nada que ofusque o brilho desse belo filme.

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