sexta-feira, 11 de março de 2011

Entre santos e dinheiro


Danny Boyle pode não ser gênio, mas é um cara que merece respeito. Afinal de contas, é o responsável por ‘Trainspotting’, ao lado de ‘Pulp Fiction’ o principal ícone cinematográfico da cultura pop dos anos 90. Como era de se esperar, acabou seduzido pelo canto da sereia de Hollywood, o que resultou em uma experiência desastrosa (‘A Praia’, com Leonardo di Caprio). Para nossa felicidade, esse episódio serviu como aprendizado, de que ele deveria voltar à Grã-Bretanha e continuar se dedicando a produções mais modestas. Modestas, porém interessantes, como o assustador ‘Extermínio’, de 2002, e este simpaticíssimo ‘Caiu do Céu’.
De imediato um aviso aos apreciadores de sua obra: não há viciados envolvidos em experiências bizarras ou zumbis correndo pelas ruas de Londres. Dessa vez o cineasta optou por uma fábula contemporânea envolvendo crianças, santos e dinheiro, muito dinheiro. O diferencial de seu trabalho, porém, permanece: a capacidade de contar boas histórias com uma proposta estética envolvente.
Em ‘Caiu do Céu’ o personagem principal é Damian, um garoto de cinco anos que dedica boa parte de seu tempo a estudar a história dos santos. E, não raro, conversar com eles. Sua devoção é tamanha que um milagre acontece: uma bolsa cheia de dinheiro é arremessada sabe-se lá de onde enquanto ele brinca ao lado de uma linha férrea. O segredo é compartilhado apenas com o irmão mais velho, Anthony, com quem também vai dividir uma ‘dura’ tarefa: gastar milhares de libras esterlinas em poucos dias, antes que a Inglaterra adote de vez o Euro como moeda oficial.
O que de início seria algo fácil e divertido não demora a colocar os dois irmãos em conflito. Damian acredita que o dinheiro foi um presente de Deus e tudo o que quer é ajudar os pobres. Anthony, com seu vasto conhecimento do mercado financeiro, pensa apenas em fazer do golpe de sorte um grande investimento. E claro que a situação só tende a piorar quando eles descobrem a verdadeira origem do dinheiro.
Como é comum nas fábulas, existe uma divisão clara entre o mundo das crianças e o dos adultos. O primeiro, habitado por Damian e seus santos, é um lugar onde valores como honestidade, bondade, ética e respeito ao próximo estão em primeiro lugar. Bem diferente da realidade adulta com a qual o garoto se depara, onde predominam a ganância, o egoísmo e a insegurança. Boyle consegue explorar de maneira inteligente essa dicotomia, sem apelar para o humor rasteiro ou descambar para o sentimentalismo.
Mais uma vez o diretor não abre mão de seus maneirismos visuais, abusando da câmera vertiginosa, da montagem em ritmo de videoclipe e dos efeitos surreais. Mas o que poderia ser apenas mais um entre tantos exercícios estéticos do cinema atual se sustenta com um roteiro sólido, que faz de uma história simples um belo e divertido filme. Méritos também para o ator mirim Alexander Nathan Etel, que faz de Damian um personagem extremamente carismático, que em pouco tempo conquista o espectador.
Nem o final um pouco piegas, com direito a ‘moral da história’, é suficiente para estragar a diversão inteligente que é ‘Caiu do Céu’. Pensando bem, em tempos tão conturbados, nada melhor que uma história de crianças para fazer refletir um pouco sobre o mundo em que vivemos.

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