sexta-feira, 11 de março de 2011

Uma pequena grande obra


Dentre as peças que o cinema nos prega, estão muitos artistas que, quando se espera que partam rumo ao estrelato, tomam justamente o caminho oposto. Levados pelo destino ou traídos pelo próprio talento, descem do pedestal da fama e misteriosamente seguem para o semi-anonimato. Quem não se lembra de Jonathan Demme? O diretor que foi conquistando espaço nos anos 80 até chegar ao ápice, se consagrando com o Oscar e inscrevendo Hannibal Lecter na galeria dos mitos com ‘O Silêncio dos Inocentes’. Após o sucesso, o cineasta partiu para um ocaso, se dedicando mais à televisão e sua grande paixão, a música.
Para o grande público Demme ressuscitou de forma despercebida no ano passado, mas não para os críticos, que deram a atenção merecida a ‘O Casamento de Rachel’. Analisando a nova produção do diretor, a ideia que se tem é de que, de sua parte, não há nenhum pingo de frustração em estar longe dos holofotes. Muito pelo contrário, vemos ali um homem simples, que deseja apenas fazer seus filmes da maneira que deseja, sem pressão da mídia ou interferência dos grandes estúdios.
Quem não se atenta para os créditos com o nome do diretor poderia muito bem achar que se trata de uma produção independente, obra de algum jovem cineasta que acabou de ser apresentada no Festival de Sundance. A simplicidade e o apelo a poucos recursos estão presentes em todos os aspectos do filme: a câmera na mão, o uso apenas de trilha sonora ambiente, o elenco pouco conhecido e a trama familiar. Mas não se engane, pois o que parece uma obra singela esconde uma grandeza peculiar.
Quem vai se casar é Rachel (Rosemarie DeWitt), mas a personagem central é sua irmã Kym (Anne Hathaway, indicada ao Oscar). A jovem acabou de deixar uma clínica de reabilitação para reencontrar a família no final de semana do casamento. Além de Rachel, estarão lá o pai (Bill Irvin) e a mãe (Debra Winger). Desde os primeiros minutos prevalece um clima de tensão, uma sensação de que Kym não é tão bem-vinda ao lar como tentam fazer parecer. Logo, ela vai descortinando os problemas e angústias que atormentam a família, trazendo à tona os fantasmas do passado.
A interpretação de Anne Hathaway dita todo o ritmo do filme. Sua personagem é de uma complexidade que a torna sarcástica em alguns momentos, frágil em outros, por vezes desequilibrada e minutos depois a pessoa mais sensata da família. Seu desempenho nos leva ao olho de um furacão contido pelo desejo de esquecer o que passou e apenas tentar ser feliz. Mais do que espectadores, nos tornamos convidados da festa e cúmplices de um intenso drama familiar.
Com sua experiência, Jonathan Demme evita a mão pesada de muitos diretores independentes, tomando a liberdade de colocar uma pitada de bom humor e otimismo no que poderia ser um melodrama realista. Responsabilidade também da roteirista estreante Jenny Lumet, filha do cineasta Sidney Lumet. À primeira vista, ‘O Casamento de Rachel’ parece ser um filme pequeno, mas é de uma alma e intensidade inclassificáveis.

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