sexta-feira, 11 de março de 2011

Revolução superficial


De líder revolucionário e mito da esquerda latino-americana a ícone da cultura pop. Assim pode ser resumida a trajetória de Ernesto Che Guevara, uma das principais cabeças da revolução que levou Fidel Castro ao poder em Cuba, que lutou em países da América do Sul e hoje estampa camisetas de jovens que sequer sabem qual sua participação na história. Sua trajetória, a exemplo de muitas figuras históricas, era digna de uma cinebiografia, até para que muita gente tivesse a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre aquele famoso sujeito de boina e bigode. O problema é que ‘Che’, de Steven Soderbergh, cai na mesma armadilha da grande maioria das cinebiografias: se deixa conduzir demasiadamente pela paixão.
Levar a história de Che Guevara às telas era um projeto antigo do diretor e do ator Benicio Del Toro, que acabou realizando o sonho de interpretar o guerrilheiro. Foram anos até que a ideia finalmente se concretizasse, tendo como resultado final uma produção com quase quatro horas de duração. Para não afastar o grande público, ela foi dividida em dois filmes: ‘Che, o Argentino’, do qual trataremos agora, e ‘Che, o Revolucionário’.
Essa primeira parte tem como foco a participação de Che na revolução cubana, desde o momento em que se encontra com os irmãos Raúl (atual presidente de Cuba, interpretado pelo brasileiro Rodrigo Santoro) e Fidel Castro, até a tomada de poder na ilha. Esse período, marcado pela formação de guerrilheiros e conflitos armados na selva, é intercalado com o famoso discurso de Che na Organização das Nações Unidas (ONU) em 1964.
Sorderbergh é um diretor irregular, que fez um ótimo filme (‘Traffic’, em 2000), mas nunca conseguiu se definir entre o mainstream e o independente, ficando sempre no meio do caminho. Pela ousadia da proposta, este ‘Che’ poderia ser um novo divisor de águas em sua carreira, mas padece do mal dos cineastas medianos: o didatismo. A narrativa é a mais convencional possível, apoiada em diálogos que fazem o máximo para condensar todas as informações contextualizadoras necessárias ao espectador. Para temperar a aula, algumas pitadas de idealismo e sociologia barata.
O diretor tinha em mãos a oportunidade de desvendar um pouco mais sobre essa figura tão adorada, controversa e carismática, de nos fazer entender de onde surgiu tamanha idolatria. No entanto, ele mesmo acaba cegado pelo mito, tratando seu personagem com a distância de quem teme ofuscar a aura de seu herói. Resta como consolo a interpretação de Benicio Del Toro, que incorpora Che Guevara com muita sobriedade, sem deixar descambar para o caricato.
Ao invés de esclarecer, ‘Che o Argentino’ deixa ainda mais dúvidas no espectador. O que levou-o a mergulhar tão avidamente na revolução cubana? Por que a abandonou logo após a vitória? Que efeitos teve sua participação na ONU? Ao tratar de um personagem revolucionário, o diretor cometeu aquele que talvez seja o maior dos pecados: ficou no conservadorismo.

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