sexta-feira, 11 de março de 2011

Um sertão de contrastes


O sertão nordestino pode ser considerado praticamente um ícone do cinema nacional, tantas foram as vezes em que foi retratado nas telas. Algumas das obras mais importantes da nossa cinematografia, como ‘Vidas Secas’, ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ e ‘Central do Brasil’ tinham esse cenário não apenas como pano de fundo, mas como personagens ativos de suas histórias. É também o que acontece no ótimo ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’, que representou o Brasil na tentativa de conquistar uma vaga no Oscar deste ano. Não conseguiu, mas colheu prêmios e elogios da crítica em sua carreira, lamentavelmente curta, no circuito comercial.
A escolha de ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’ para tentar uma vaga no principal prêmio do cinema mundial chega a ser surpreendente, haja visto os selecionados dos anos anteriores. Não se trata de nenhum blockbuster recheado de atores globais, com campanha pesada da Globo Filmes. Dirigido por um estreante (o pernambucano Marcelo Gomes), o filme teve uma passagem meteórica pelos cinemas. A explicação, por incrível que pareça, talvez seja mais técnica que mercadológica: sem invencionices, é uma obra de sensibilidade e simplicidade ímpares, ingredientes que costumam agradar o paladar estrangeiro.
A história se passa na década de 1940, quando eclodia a Segunda Guerra Mundial e o governo brasileiro ainda decidia sobre sua participação ou não no conflito. No sertão pernambucano, o alemão Johan (Peter Ketnath) percorre estradas e vilarejos vendendo a mais recente novidade do mercado farmacêutico: a aspirina. Sua principal arma para conquistar os consumidores é um projetor de cinema, através do qual exibe a plateias encantadas filmes publicitários. Em suas andanças, o vendedor conhece Ranulpho (João Miguel), sertanejo que planeja fugir da seca e ganhar a vida no Rio de Janeiro. Aos poucos vai nascendo uma forte amizade entre os dois, pontuada por contrastes e diferentes formas de ver a vida.
Ao ler a sinopse, muitos podem pensar: ‘acho que já vi esse filme antes’. De fato, a premissa não é nova e a tentação de cair no lugar comum seria mais que justificada. Mas não é o que acontece. Primeiro porque o diretor foge de alguns estereótipos, como o de tentar fazer do sertão cenário para comercial de banco. Não há pretensão nas imagens, elas retratam a aridez do local de maneira simples, mas suficiente para não relegar sua importância na história. Da mesma forma, a pobreza e o sofrimento daquela população são colocados sem exageros, suscitando muito mais a empatia do que o compadecimento do espectador.
Outro mérito do diretor é fazer com que a amizade entre Johan e Ranulpho seja ao mesmo tempo algo tão simples quanto complexo. O primeiro tem a visão do estrangeiro, que se fascina com a diversidade do Brasil. O segundo a do retirante, que não agüenta mais assistir a tanta mesmice e sofrimento. O primeiro quer ficar porque ali não caem bombas do céu. O segundo quer fugir para algum lugar onde não haja fome. Diferenças que são tratadas sem pieguice ou pedantismo, calcadas no excelente desempenho dos dois atores.
Com as doses certas de humor, drama e reflexão, ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’ é mais um road movie existencial a explorar riquezas e misérias do interior do Brasil. Mas digno de um lugar entre aqueles que fizeram jus a tão nobre desafio.

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