sexta-feira, 11 de março de 2011

O adeus do eterno adolescente


No último dia 6, um entre bilhões de corações no mundo parou de bater subitamente. Vítima de um infarto enquanto realizava uma caminhada, o cineasta norte-americano John Hughes deu adeus a este mundo. Não se trata de nenhum gênio do naipe de Stanley Kubrick ou Alfred Hitchcock, tampouco de um conquistador de multidões como Steven Spielberg ou George Lucas, ou um revolucionário na linha de Jean-Luc Godard ou Glauber Rocha. Estamos falando de alguém que teve uma carreira curta de diretor, porém, marcante para toda uma geração. Se os filmes de adolescentes ainda são um filão atrativo, a responsabilidade em grande parte é dele.
Para relembrar sua obra, comecemos não do início, mas pelo seu trabalho mais marcante. Quem viveu a infância e adolescência entre os anos 80 e 90 certamente assistiu em alguma sessão da tarde a ‘Curtindo a Vida Adoidado’. Quem não se lembra do então garotão Matthew Broderick se fazendo de doente para cabular um dia de aula, cantando ‘Twist and Shout’ em um desfile, perseguido pelo incansável diretor e falando com a câmera após os créditos finais? Era um cinema ao estilo de seu protagonista, com a disposição e a irreverência da juventude, fazendo da vida uma festa, ainda que durasse apenas um dia.
Mas quem é ou já foi adolescente sabe que nem tudo é diversão nessa fase. Como nenhum outro diretor, John Hughes sabia captar e levar para as telas os dilemas e delírios desse período, alegrias que rapidamente se transformam em frustrações e vice-versa. ‘Gatinhas e Gatões’, seu primeiro filme, é a história clássica da garota nerd (Molly Ringwald, sua musa que desapareceu por completo) que gosta do bonitão da escola, mas é assediada por um mala. Nos dias de hoje o tratamento soa de uma ingenuidade tremenda, mas a sensibilidade imprimida aos personagens permanece atualíssima.
De todos seus filmes, no entanto, nenhum é mais representativo do que ‘Clube dos Cinco’. A história: cinco adolescentes, por diferentes razões, são trancafiados de castigo em uma sala pelo diretor do colégio. Para pagar por suas infrações, devem escrever uma redação sobre o que acham de si mesmos. Durante pouco mais de uma hora e meia, os cinco jovens, a princípio de personalidades opostas, se conhecerão e descobrirão muito mais em comum do que se imaginava. Entre melodrama juvenil e comédia descartável, o que se vê ali é um filme como poucos: existencial sem ser cabeçudo, construindo apenas com diálogos um apaixonado painel sobre a juventude. Simples e notável.
John Hughes envelheceu mais rápido que seus pupilos e repentinamente deixou a adolescência. Tratou com bom humor dos dilemas de um jovem casal em ‘Ela Vai Ter Um Bebê’ e, com a mesma sensibilidade de sempre, dirigiu as produções adultas ‘Antes Só do que Mal Acompanhado’ e ‘Quem Vê Cara Não Vê Coração’ (ambas com o também saudoso John Candy). Encerrou sua carreira de diretor com o insosso ‘A Malandrinha’.
Depois disso, John Hughes se dedicou apenas a roteiros, participando de títulos como ‘Esqueceram de Mim’ e ‘101 Dálmatas’. Sua última assinatura apareceu em ‘Meu Nome é Taylor, Drillbit Taylor’, do ano passado. Ainda que inconscientemente, sua morte deixa órfãos milhões de ex-adolescentes hoje na condição de tiozinhos. Onde quer que esteja, curta adoidado sua eterna juventude.

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