quarta-feira, 2 de março de 2011

Romance em tom de fantasia


Que a entrada da Rede Globo no mercado cinematográfico nacional trouxe algumas benesses, isso não se pode negar. Com a criação da Globo Filmes, o país ganhou um importante braço na produção, distribuição, popularização e no incentivo ao consumo da cinematografia brasileira. Em contrapartida, a presença global fez nascer no Brasil um subgênero cinematográfico, das produções que abusam da linguagem televisiva como instrumento de sedução junto ao grande público.
São rebentos dessa união as adaptações de programas globais (as canhestras versões de ‘Os Normais’ e ‘Casseta e Planeta’), as comédias estilo minissérie, que se limitam a reciclar a bem-sucedida fórmula de ‘Auto da Compadecida’ (caso dos fracos ‘Lisbela e o Prisioneiro’ e ‘O Coronel e o Lobisomem’) e os novelões (como o enfadonho ‘Olga’). ‘A Máquina’ situa-se nessa perigosa linha estabelecida entre cinema e TV, mas ao colecionar mais virtudes que defeitos consegue se sobressair a tais estereótipos.
Baseado no conto de Adriana Falcão e dirigido por seu marido, o estreante João Falcão (oriundo do meio teatral), ‘A Máquina’ traz a história de Antônio (Gustavo Falcão, que apesar de ser filho do cineasta demonstra grande talento), jovem que vive na fictícia cidade de Nordestina. Encravado no meio do sertão, o pequeno vilarejo já está acostumado a perder seus habitantes que, mais cedo ou mais tarde, resolvem ir embora em busca de uma vida melhor. Quando Marina (Mariana Ximenes), a jovem por quem Antônio é apaixonado resolve partir também, ele toma uma decisão: para não deixá-la escapar, movida pelo sonho de se tornar uma atriz famosa, se dispõe a trazer o mundo até ela. Como? Criando em Nordestina uma máquina do tempo, que vai levá-lo ao futuro, sob os holofotes da mídia e os olhares atentos de todo o mundo.
O diretor investe em um terreno ainda pouco explorado na filmografia nacional recente, o do cinema fantástico, remetendo na produção contemporânea a filmes como os de Tim Burton ou ao cult francês ‘O Fabuloso Destino de Amelie Poulain’. Nesse aspecto, dois elementos são cruciais: a excelente fotografia, que contribui para a atmosfera onírica predominante, e a primorosa direção de arte, que dá a medida certa entre o intencionalmente fake e a reconstrução da pobreza sertaneja. Tudo como o mundo de Antônio, dividido entre um universo de sonho e a realidade cruel.
É de se lamentar apenas que o filme ainda guarde alguns cacoetes televisivos, que acabam prejudicando seu andamento total. Em alguns momentos, João Falcão insiste no truque dos diálogos curtos e ágeis, que pode funcionar bem em ‘Minha Nada Mole Vida’, por exemplo, mas não faz muito sentido em um longa-metragem. Da mesma maneira, as cenas românticas seriam menos entediantes se o cineasta não se sentisse tão tentado em abusar de alguns clichês novelescos.
Mas nada disso impede que ‘A Máquina’ esteja acima da média do nosso cinemão. Tem bons atores (destaque para o veterano Paulo Autran e Wagner Moura, hilário no papel de um apresentador de TV), um roteiro inteligente e qualidade técnica impecável. Pena que não tenha tido nos cinemas a recepção que merecia.

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