sexta-feira, 11 de março de 2011

No embalo da nostalgia


Em um mundo perfeito a honestidade não seria tratada como virtude, mas como um comportamento natural de qualquer ser humano. Como nosso mundo está milhas distantes da perfeição, somos obrigados a admirar e exaltar aqueles que se mostram verdadeiramente honestos. No cinema, inclusive, onde honestidade nem sempre faz parte da linha de trabalho dos cineastas. Mas o que faz um diretor ser honesto? Entregar ao espectador um filme que não pretende ser mais do que é, que não tenta ludibriar a plateia, cuja essência, com suas virtudes e defeitos, está naquilo que passa na tela. A honestidade de Laís Bodanski é o que faz de ‘Chega de Saudade’ uma obra tão preciosa, mesmo com toda a simplicidade do mundo.
Tudo se passa em um único ambiente, um clube de danças de salão à moda antiga, povoado por casais que não escondem as rugas e outros efeitos do tempo. Tempo esse que se torna relativo na narrativa. Se a ação consome apenas algumas horas, da abertura das portas com o dia claro à saída do último casal na madrugada, no universo dos personagens ele ganha dimensões elásticas. São anos, décadas, que correm pelos olhos, ouvidos e mentes dos protagonistas.
Um baile, a princípio, é apenas um local onde as pessoas vão para dançar e se divertir. Laís Bodanski e o roteirista Luís Bolognesi (seu marido, a propósito) verificaram que, como toda grande concentração de pessoas, esse espaço pode comprimir diversas histórias de vida, sejam dramas, romances, comédias ou tragédias. Embalado pela música incessante, a diretora desfila sua câmera pelo salão, misturando passos de dança com o vaivém dos sentimentos.
Há o casal de idade que não consegue se entender (Leonardo Villar e Tônia Carrero), o malandro de baile (Stepan Nercessian) que relega sua companheira (Cássia Kiss) diante de uma jovem (Maria Flor), que, trazida pelo namorado DJ (Paulo Vilhena), acaba se encantando com aquele ambiente novo. Há ainda aquela louca para arrumar um par (Betty Faria), mas para quem nada dá certo, uma mulher misteriosa e o garçom que acompanha esses e muitos outros dramas que se desenrolam ao longo da noite.
Uma das críticas negativas a ‘Chega de Saudade’ é pelo fato de não se aprofundar nos personagens, apresentando-os superficialmente, sem mergulhar demasiadamente em seus interiores. A meu ver, isso se apresenta mais como uma virtude do que como um defeito. O tempo da história é relativo, não há razão para invadirmos a alma dos personagens se o baile tem hora para acabar, se logo a música irá cessar.
Não há pirotecnia, o que existe são apenas personagens comuns. A fotografia de Walter Carvalho não poupa os atores, exibindo sem pudor as rugas e os sinais de envelhecimento dos quais nenhum ser humano está a salvo. A trilha sonora, selecionada através de um minucioso trabalho, é quase uma protagonista, expressando aquilo que as imagens e diálogos não precisam decifrar. ‘Chega de Saudade’ encanta por ser simplesmente uma história de pessoas, de vidas que se cruzam e seguem bailando até a música cessar.

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