sábado, 12 de março de 2011

Retorno em grande estilo


Você conhece Zé do Caixão? Claro que sim, qualquer um reconhece de imediato sua figura soturna, seu linguajar e seu jeito de falar únicos, associando-o ao cinema de horror. Agora, pergunto: quantas pessoas realmente conhecem o personagem, já assistiram a algum filme por ele protagonizado? Mais do que isso: quantos sabem a importância de seu criador, o cineasta José Mojica Marins, na cinematografia nacional? Uma parcela mínima, com certeza. Como ainda há justiça nesse mundo, uma nova oportunidade foi dada ao diretor, de se apresentar às novas gerações, ser redescoberto por aqueles que o esqueceram e deleitar seus admiradores. ‘Encarnação do Demônio’ não apenas reaviva Zé do Caixão nas telas, mas apresenta um gênio da cinematografia nacional em sua melhor forma.
‘Encarnação do Demônio’ põe fim a um intervalo de mais de 40 anos, deflagrado pelos dois filmes que imortalizaram a figura de Zé do Caixão: ‘À Meia-Noite Levarei Sua Alma’ (1964) e ‘Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver’ (1967). Ambas as produções traziam como protagonista um coveiro macabro, que cometia as mais diversas atrocidades em busca da mulher que pudesse gerar o filho perfeito.
A nova produção começa com o personagem deixando a cadeia após 40 anos, cumpridos pela morte de 29 pessoas. No pouco tempo que caminha pelas ruas, se depara com uma realidade diferente daquela que vivenciou antes de ser preso: violência urbana, crianças se drogando, pessoas se corrompendo. Se as agressões morais são capazes de chocá-lo, em termos físicos nada se compara ao que Zé do Caixão reserva para os minutos seguintes de filme: uma verdadeira carnificina, motivada pela incansável busca de mulher desejada.
Quando foi anunciado que Mojica Marins voltaria a filmar seu célebre personagem, lançou-se uma dúvida: nesses novos tempos, teriam suas histórias e suas criaturas o mesmo impacto de épocas passadas? A resposta é um efusivo sim. Com recursos financeiros e tecnológicos dos quais não dispunha há 40 anos, o cineasta renova o cenário de horror que concebeu, mas se mantendo fiel à tradição de seus roteiros, simples, porém, contundentes.
Alguns podem considerar uma contradição, mas não há como negar: esteticamente, ‘Encarnação do Demônio’ é um filme belíssimo, desde os letreiros até a arrebatadora cena final. O preto-e-branco das primeiras produções dá lugar uma fotografia exuberante, que explora principalmente a escuridão e o vermelho do sangue que jorra aos borbotões. Os insetos, mutilações, o terror psicológico, tudo está presente, turbinado por efeitos especiais que mantêm o encanto do personagem, sem que em momento algum lhe confiram um aspecto trash.
Isso é possível porque José Mojica Marins é um legítimo mestre do horror, que usa da criatividade, da técnica e de grandes atuações para produzir cinema de primeira grandeza. Se o Brasil jamais conseguiu consolidar uma cinematografia do gênero, é porque talvez tenhamos sido injustos com quem sabe. Mesmo depois de quatro décadas, ainda há tempo para a redenção.

Nenhum comentário:

Postar um comentário