quarta-feira, 9 de março de 2011

Por trás das câmeras


Como ator, Selton Mello já mostrou que não tem nada mais a provar para ninguém. Um dos mais versáteis e talentosos atores da atual geração, não é à toa que se tornou o maior arroz de festa do cinema nacional, protagonizando tanto produções de grande apelo popular quanto obras mais autorais. Era chegada a hora então de buscar novos desafios. Sua opção não foi a de outro grande astro brasileiro, Rodrigo Santoro, de cavar oportunidades em Hollywood, mas de ir para trás das câmeras. Se não chega a ser brilhante, ‘Feliz Natal’, sua estreia como diretor, também não decepciona.
Para começo de história, esqueça aquele Selton Mello que você se acostumou a ver em papeis como o Chicó de ‘O Auto da Compadecida’ ou os personagens título de ‘Meu Nome Não é Johnny’ e ‘Jean Charles’. Aquele ator carismático, divertido e de fácil comunicabilidade com o público ficou para a frente dos holofotes. Por trás deles, o jovem cineasta se mostra bem mais complexo e sisudo, pouco disposto a jogar para a plateia. Seu cinema tem muito mais a cara das produções independentes que dos sucessos colhidos ao longo da carreira.
O próprio nome já é uma armadilha, misto de ironia e provocação. A história se passa em uma noite de Natal, mas que de feliz aparentemente não tem nada. Caio (Leonardo Medeiros, outro grande ator de cinema), proprietário de um ferro velho, chega à casa da família para os festejos natalinos. Lá encontra a mãe alcoólatra e descontrolada (Darlene Glória), o pai que casou com uma garota bem mais jovem e não esconde o ressentimento (Lúcio Mauro), o irmão introspectivo (Paulo Guarnieri) e a cunhada que tenta administrar toda a situação (Graziella Moretto).
Toda a história vai se desenrolar a partir dos desdobramentos daquela noite, em que as luzes e enfeites contrastam com a melancolia de seus protagonistas. Os diálogos (se é que se pode chamar assim) são breves, os olhares perdidos e os sentimentos sempre à flor da pele. Porém, diferente de muitas produções que tratam de conflitos familiares, não há um momento de exaltação. A tensão, a mágoa e os ressentimentos são contidos, como uma bomba relógio que anuncia, mas nunca explode. Os segredos são guardados a sete chaves pelos personagens, que relutam ao máximo em compartilhá-los com o espectador.
Em seu début, Selton Mello se mostra um discípulo de John Cassavetes, referência mor no cinema independente norte-americano, mestre em conduzir seus dramas através de seus personagens. Câmera na mão, closes intensos e planos longos imprimem a marca autoral do novo diretor, que às vezes perde a direção por conta de um roteiro que poderia ser melhor trabalhado.
A força maior de ‘Feliz Natal’ está em seus atores, escolhidos com a sabedoria de quem conhece a arte de interpretar. É gratificante ver veteranos como Darlene Glória e Lúcio Mauro em plena forma, tomando para si as cenas que protagonizam. Como diretor, Selton Mello ainda tem tempo de amadurecer e se livrar de alguns vícios, típicos de quem está em início de carreira. Mas já demonstra segurança e consciência daquilo que pretende, o que é um bom indicativo para um estreante.

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