quarta-feira, 9 de março de 2011

Do sucesso à redenção

Não raro, nos deparamos com filmes que parecem terem sido feitos exclusivamente para seus protagonistas. São aqueles papeis em que há uma simbiose tão grande entre ator e personagem que fica quase impossível dissociá-los um do outro. Não é à toa que Jeff Bridges ganhou neste ano o Oscar de melhor ator e a grande maioria dos prêmios do gênero por sua interpretação em ‘Coração Louco’. O cantor country decadente vivido por ele é o estereótipo dos filmes sobre trajetórias artísticas acidentadas, mas seu carisma é tão intenso que se sobrepõe a qualquer clichê.
Com 60 anos de idade, Jeff Bridges é daqueles atores que sempre estiveram presentes nas telas, mas jamais chegaram ao primeiro time de Hollywood. Talentoso e competente, sempre protagonizou produções menores ou, em filmes de maior orçamento, participou como coadjuvante. Não chega a ser um quase autorretrato, como foi Mickey Rourke em ‘O Lutador’, mas é possível notar uma certa identificação entre seu personagem fictício e a trajetória na vida real.
Em ‘Coração Louco’, Bridges vive o cantor country Bad Blake. Aos 57 anos de idade, já não vive mais a plenitude, se apresentando por dinheiro em lugares como boliches e pequenos bares pelo interior dos Estados Unidos. Quando não está cantando, preenche seu tempo fumando, bebendo (muito) e dormindo com algumas fãs. É, notadamente, uma pessoa solitária. Na passagem pela pequena cidade de Santa Fe, conhece a jornalista Jean (Maggie Gyllenhaal, também indicada ao Oscar como atriz coadjuvante), que a princípio deseja apenas uma entrevista, mas depois se envolve amorosamente com o cantor.
Apesar de ser uma história fictícia, baseada no livro de Thomas Cobb, ‘Coração Louco’ trilha o mesmo caminho de produções como ‘Ray’ e ‘Johnny e June’ (baseados nas histórias de Ray Charles e Johnny Cash, respectivamente). O protagonista é um artista que já experimentou o doce sabor do sucesso, mas mergulhou na decadência por seu potencial autodestrutivo, tendo a bebida como principal combustível. Sua possibilidade de redenção está no amor, o único elemento capaz de salvá-lo.
O estreante diretor Scott Cooper não faz feio, já que, mesmo contando uma história previsível, não se deixa levar pela pieguice e o sentimentalismo barato. O que move ‘Coração Louco’, no entanto, é Jeff Bridges. Convenhamos que seu personagem não é do tipo capaz de nutrir muita simpatia: beberrão, por vezes arrogante e sempre amargurado. Mas o carisma que o ator consegue imprimir supera aos poucos toda antipatia e nos faz torcer para que ele possa encontrar um caminho vitorioso. Sem contar que ele mesmo interpreta as músicas do personagem, mostrando-se também um cantor de competência respeitável. 
Em dado momento, Bad Blake é chamado para abrir um grande show do jovem Tommy Sweet (Colin Farrell), seu discípulo no passado. Penso no próprio Bridges, que com todo seu talento e bagagem, muitas vezes se deixou em segundo plano. ‘Coração Louco’ é seu reconhecimento da melhor maneira possível: um filme modesto, porém sensível e honesto, sem grandes pretensões. Uma história sobre pessoas, música e redenção. Nada mais.

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