quarta-feira, 2 de março de 2011

Olhar sobre a vizinhança


Tão longe, tão perto. A máxima vale para a distância cultural a que estamos de nossos vizinhos latino-americanos. É como o cidadão de classe média que conhece muito mais da elite em um bairro distante do que da favela na quadra de baixo. Recebemos, conhecemos e consumimos uma quantidade infinitamente maior de produtos culturais norte-americanos ou europeus do que argentinos, uruguaios ou paraguaios. Por exemplo: eu, assim como a grande maioria dos espectadores brasileiros que viram ‘A Teta Assustada’, jamais havia estabelecido contato com a cinematografia do Peru. E grande parte, acredito eu, teve uma surpresa bastante agradável.
Nesse caso, não foram apenas os brasileiros que descobriram o cinema peruano. A modesta produção foi selecionada para o Festival de Berlim do ano passado e tanto sensibilizou os jurados que conquistou o prêmio máximo, o Urso de Ouro de melhor filme. A trajetória bem sucedida teve como destino final o Oscar, onde concorreu a melhor filme estrangeiro. Não levou, mas para um país de onde quase nada se sabia a respeito da produção cinematográfica, foi uma conquista e tanto.
Quem vê o título pode achar engraçado e pensar que se trata de alguma comédia de costumes. Nada disso, muito pelo contrário. O filme, dirigido por Claudia Llosa, aborda uma situação triste e ainda presente em algumas comunidades do interior do Peru. ‘A teta assustada’ é como se designa o medo de algumas mulheres de serem violentadas. A crença, perpetuada por vítimas de terroristas do grupo Sendero Luminoso, na década de 80, é de que esse mal se transmite através do leite materno. Para se proteger dos ataques, as mulheres costumavam colocar uma batata na vagina.
O enredo pode suscitar a ideia de um filme exótico. Talvez até fosse esse o tratamento caso não estivesse uma mulher na direção, que imprime a sensibilidade necessária para evitar que a história caia no piegas ou no sensacionalismo. A protagonista é Fausta (Magaly Solier, premiada em vários festivais), jovem filha de uma dessas vítimas do terrorismo. Mesmo sem ter vivido diretamente o trauma da mãe, o medo transmitido por sua história faz com que ela cultive os mesmos hábitos e viva reclusa.
Fausta é obrigada a sair do casulo quando a mãe morre e ela se vê na obrigação de dar-lhe um funeral digno. Para conseguir dinheiro, passa a trabalhar na casa de uma pianista solitária em crise de inspiração. Ao mesmo tempo em que expõe um contraste social, a convivência revela uma proximidade de sentimentos, se tornando um dos trunfos do filme. Com diálogos sucintos e uma câmera contemplativa, ‘A Teta Assustada’ passeia entre o lirismo e a crônica social com grande desenvoltura. 
Um de seus méritos maiores é não expor tradições e traços culturais como um exotismo de terceiro mundo. São elementos que fazem fundo a um drama universal, da reclusão, do trauma e da superação. É mais uma prova de que temos muito a explorar e a ganhar com a aproximação de nossos vizinhos. Que as portas abertas por Claudia Llosa se expandam, nos suscitem a olhar com mais atenção e admirar o que acontece a nossa volta.

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