quarta-feira, 9 de março de 2011

O olhar por detrás do muro

Quando o Muro de Berlim caiu, no final da década de 80, eu ainda era um semi-adolescente, cuja maior preocupação eram os afazeres escolares. Mas pelo pouco que sabia e pela repercussão no noticiário televisivo tinha noção de que estava diante de um marco na história da humanidade. Mais tarde, coube ao aprendizado a tarefa de entender o que havia significado aquilo para o mundo e a todos nós que habitamos esse planeta. Passados quase 20 anos do episódio, é de se lamentar que ainda cheguem a nós, brasileiros, tão poucos filmes que lidam com o assunto. Principalmente quando aqueles a que temos oportunidade de assistir são tão fascinantes quanto ‘A Vida dos Outros’.
Dirigido pelo alemão (claro) Florian Henckel von Donnersmarck, também o autor do roteiro, ‘A Vida dos Outros’ não trata especificamente da queda do muro, mas do período que precedeu o fim do regime socialista que por décadas dividiu a Alemanha em duas. De certa maneira, até surpreendeu que tenha faturado o Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano, já que neste segmento a Academia tem uma queda por produções mais, digamos, melodramáticas.
A história começa em 1984, em plena vigência do socialismo na Berlim oriental. O capitão Wiesler é um dos mais prestigiados agentes da Stasi, a temível polícia política da Alemanha Oriental. Seu status se deve principalmente à frieza como interrogador e a consequente eficácia na obtenção de informações que deveriam ser secretas. Ao assistir a uma peça do dramaturgo Georg Dryeman, o agente tem convicção de que o escritor tem algo a esconder e assume como desafio pessoal a tarefa de investigá-lo.
Monitorando diariamente a vida do escritor, Wiesler fica a par do seu relacionamento com Christa, uma renomada atriz. O mergulho na intimidade do casal provoca uma reviravolta em sua conduta, colocando em xeque sua frieza e fazendo com que ele passe a proteger o cada vez mais suspeito Dryeman. Profissional, porém, solitário, o agente se vê terrivelmente dividido entre a razão e o sentimento.
O roteiro coloca frente-a-frente dois homens que aos poucos são confrontados com tudo aquilo em que acreditaram durante anos. No caso de Wiesler, os ideais do partido e do governo que defendem vão se tornando cada vez menos sólidos diante dos critérios de humanidade que finalmente se descortinam diante de seus olhos. Dryeman, por sua vez, sente-se desiludido face ao destino das pessoas ao seu redor, seja a mulher que ama ou os artistas que admira. São dois personagens que se tornam íntimos sem que jamais tenham se conhecido diretamente.
O grande mérito do diretor é lançar um olhar elucidativo e humano sobre a história de seu País, sem o idealismo frouxo que a boa parte dos filmes brasileiros coloca sobre a ditadura militar, por exemplo. O cinema alemão já havia dado mostras da maturidade com que trata seus fantasmas históricos no magistral ‘Adeus Lênin’, de 2003. ‘A Vida dos Outros’ dá seqüência a esse aprendizado colocando menos humor e mais amargura, mas sem nenhuma gota de maniqueísmo ou sentimentalismo barato.

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