quarta-feira, 9 de março de 2011

Despedida em grande estilo

Há mais conexões entre a vida e a morte do que qualquer ser humano com o coração batendo possa imaginar. Robert Altman, um dos grandes diretores da história do cinema, nos deixou em novembro do ano passado. Sua obra póstuma foi ‘A Última Noite’, lançada poucos meses antes de sua partida. Se o cineasta ainda estivesse vivo, certamente estaria eu escrevendo aqui que se tratava de uma obra menor em sua brilhante carreira. O destino, porém, fez com que seu derradeiro trabalho se tornasse um epílogo, quase que um testamento.
O título original, ‘A Prairie Home Companion’, faz alusão ao programa radiofônico do qual trata o filme. No Brasil, ainda que por coincidência (já que o filme também foi lançado dias antes de sua morte), o tom de despedida foi reforçado com o título ‘A Última Noite’. Um detalhe que apenas reforça o clima presente durante os 108 minutos de projeção: fala-se de morte, de saudade, de nostalgia, de adeus. Mas, curiosamente, sem cair, em momento algum, na tristeza absoluta.
O programa retratado por Altman existe até os dias atuais, sob o comando de Garrison Keilor, uma lenda do rádio americano que escreveu o roteiro e interpreta a si mesmo no filme. Os dois imaginaram uma última edição do programa, transmitido ao vivo de um teatro e prestes a encerrar suas atividades após uma negociação comercial. Por ele desfilam duas irmãs cantoras (Meryl Streep e Lily Tomlin), a entediada filha de uma delas (Lindsay Lohan) e uma dupla de cowboys cheios de graça (Woody Harrelson e John C. Reilly), entre outros artistas.
Em seu último trabalho, Altman exercita aquilo que sempre fez de melhor, tornando-se inclusive uma referência para os novos cineastas: a composição de um mosaico de personagens. Durante todo o filme, a câmera acompanha os vários protagonistas daquela noite, compartilhando suas incertezas, histórias de vida, piadas, alegrias e tristezas. Apesar de o tema ser melancólico, o diretor carrega no humor leve, ao estilo das comédias ingênuas da década de 50, entremeado por números musicais e situações pitorescas do universo radiofônico.
É inevitável deixar de ressaltar as inúmeras alusões à morte presentes no filme. Lola Johnson, a jovem cantora que acompanha a mãe, compõe suas músicas afundada numa obsessão por suicídio. À certa altura, um dos artistas morre logo após se apresentar no palco, deixando a dúvida sobre informar ou não os ouvintes sobre o ocorrido. Por fim, um dos personagens-chave da história é ninguém menos que um anjo, a rondar os bastidores misteriosamente.
Mesmo com todas essas situações, ‘A Última Noite’ está longe de ser um filme triste ou deprimente. Muito pelo contrário. Talvez porque o que guia a história não é o fato de que as cortinas estão prestes a se fechar em definitivo, mas a velha máxima de que ‘o show não pode parar’. Se Altman tinha algum pressentimento do que viria a acontecer e procurou exprimir de alguma forma em seu filme, isso jamais iremos saber. Eu, particularmente, encaro essa obra como uma carta de despedida, feita não apenas de palavras, mas de imagens, sons, música e toda a arte na qual Robert Altman se tornou um mestre.

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