sábado, 12 de março de 2011

O futuro sem futuro


É interessante como, quando se trata de vislumbrar o futuro, quase sempre o cinema envereda pelo pessimismo. As sociedades futuras retratadas nas telas geralmente se apresentam afetadas por algum tipo de praga, catástrofe, ditadura totalitária ou tecnologia maléfica. Talvez porque o andar da humanidade não dê motivos para esperar coisa melhor, mas enfim... a essa cinematografia de previsões obscuras somou-se no ano passado um exemplar interessante: ‘Filhos da Esperança’, misto de ação e drama que indica outro cenário pouco agradável para nossos descendentes. Ou, pior, exclui a possibilidade que eles venham a existir.
O cenário é Londres e o ano 2027. Decrépita, a cidade é um amontoado de ruínas, lixo de toda espécie e pessoas miseráveis se espremendo em meio à violência. Imigrantes são confinados em espécies de campos de concentração. Nos últimos 18 anos, devido a fatores misteriosos, nenhuma criança nasceu no mundo. A pessoa mais jovem do planeta, justamente aos 18, é assassinada por um fanático, deflagrando uma onda de comoção generalizada.
Nessa realidade pouco animadora vive Theo (Clive Owen), um ex-ativista político que se transformou em um burocrata entediado. Sua rotina é quebrada por uma ex-namorada, líder rebelde que pede sua ajuda para fazer uma jovem imigrante atravessar a fronteira. Na verdade, a missão entregue a ele é bem mais importante do que imagina: salvar a primeira jovem grávida depois de quase duas décadas, entregando-a a um suposto projeto científico pela reprodução humana.
Como se pode perceber, o roteiro de ‘Filhos da Esperança’ tem lá suas complexidades, muitas vezes fazendo mais duvidar do que explicar. Seu diretor, o mexicano Alfonso Cuarón, carrega uma filmografia bastante distinta, que inclui o drama histórico ‘Grandes Esperanças’, o road movie chicano ‘E Sua Mãe Também’ e o blockbuster ‘Harry Potter e o Prisioneiro de Askaban’. Talvez por colecionar experiências tão díspares, o cineasta construiu um filme que se apóia em fórmulas hollywoodianas e alguns clichês, mas que guarda para si certas peculiaridades, que no resultado final acabam fazendo a diferença.
A primeira delas é a parte técnica. É impossível não se impressionar com a fotografia, que, alternando tons sombrios e efeitos de luminosidade, cria uma atmosfera única, de algum lugar em que não se deseja estar. Sensação essa reforçada com a excelente direção de arte, que constrói de maneira incômoda um futuro que se assemelha mais à Europa castigada pela peste na Idade Média do que um cenário à la ‘Os Jetsons’. Por fim, as cenas de ação são de um realismo assustador, poucas vezes visto no cinema atual.
Também é interessante ressaltar que ‘Filhos da Esperança’ apresenta uma modalidade diferente de herói, vivido com eficiência por Clive Owen. Ainda é aquele sujeito pacato que se transforma em fera quando vê a possibilidade de salvar a humanidade, mas que, por outro lado, em momento algum abandona suas angústias ou ganha superpoderes. Tanto que não dispara um único tiro durante todo o filme. No fundo, é alguém que pode ser como um de nós daqui a alguns anos, lutando para consertar os estragos da nossa geração. Queira Deus que a vida não imite a arte.

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