sábado, 12 de março de 2011

A máfia sem glamour


Quando se fala em filmes sobre a máfia, a primeira coisa que vem à cabeça é aquela imagem romântica, do criminoso milionário, dono de classe e estilo invejáveis, movido por uma frieza capaz de tirar uma vida com um estalar de dedos. O estereótipo fixado pelo glamour de ‘O Poderoso Chefão’ também se transformou em trampolim para o humor, recorrente em algumas comédias. Foi necessário que um italiano nos jogasse para o centro desse universo criminoso, onde não há nada de luxo ou requinte, apenas tragédia e desamparo. Em ‘Gomorra’, a realidade não tem nada a ver com ternos bem cortados, festas grandiosas ou sonhos de uma vida fácil.
Dirigido por Matteo Garrone, ‘Gomorra’ é baseado no livro homônimo de Roberto Saviano. A obra se tornou um grande sucesso internacional não apenas pela história, que expõe as entranhas da Camorra, a temida máfia napolitana, mas porque seu autor foi jurado de morte ao denunciar vários chefões do crime. Claro que o filme não tem a força e o conteúdo da obra literária, mas mantém seu impacto por seguir uma linha mais documental e menos romantizada.
Na tela, o espectador acompanha cinco histórias relacionadas à Camorra. Um garoto semi-adolescente começa a se integrar ao crime ao ver que é a maneira mais fácil de subir na vida. Um veterano ‘funcionário’ percorre a cidade fazendo pagamentos e cobranças para seus patrões. Dois jovens tentam ingenuamente serem criminosos independentes, sabotando traficantes e organizações criminosas. Um alfaiate, colaborador da máfia, passa a trabalhar clandestinamente para imigrantes chineses. E um iniciante acompanha as negociações para transporte e deposição de lixo tóxico, outro negócio da Camorra.
Não se tratam de histórias paralelas que vão entrecruzar ao longo do filme, expediente que se tornou moda nos últimos anos. São narrativas independentes, mas que guardam em comum sua a essência. Além da ligação com o crime, os personagens têm como paralelos a trajetória desesperançosa e sob o prenúncio da tragédia. O diretor não fornece muitas informações a respeito dessas pessoas, mas é o suficiente para perceber que elas estão presas em um mundo do qual pouco ou quase nada se leva.
A mídia e alguns críticos exaltaram comparações com o brasileiro ‘Cidade de Deus’, pelo qual Garrone admitiu ter grande admiração. De fato, existem pontos em comum entre as obras. Por exemplo, a rápida absorção de crianças e adolescentes pelo crime, a periferia abandonada como nas favelas cariocas e o banho de sangue desregrado. Porém, ‘Gomorra’ é muito menos estilizado. Seu impacto é direto, lançado através de uma câmera que acompanha os personagens em plena intimidade, sem atenuantes estéticos ou sonoros.
Por sua crueza, ‘Gomorra’ remete à mais tradicional escola do cinema italiano, a do neorrealismo. Com a diferença de que os tempos são outros, por vezes mais amargos e cruéis, mas indiscutivelmente mais violentos. Em razão disso, o lirismo do passado foi substituído pelo tom sombrio e perturbador. Exagero? Nos créditos finais o diretor expõe alguns números que talvez justifiquem tamanho inconformismo. E aí cabe ao espectador tirar suas conclusões.

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