quinta-feira, 10 de março de 2011

Herói de carne e osso

 
Até mesmo nas grandes tragédias, a vida tem seus momentos de ironia. Quem diria que o jovem e promissor astro Heath Ledger teria seu ápice meses depois de sua morte? Que a glória viria na pele de um vilão extremamente sarcástico e maquiavélico, que banaliza a morte e ri do sofrimento alheio como uma piada. ‘Batman – O Cavaleiro das Trevas’ já tinha tudo para ser a produção mais comentada de 2008, dada a expectativa que a cercava. Porém, a infeliz e macabra coincidência envolvendo um de seus atores alimentou ainda mais o furor, que se completou quando o resultado chegou às telas. Aí foi possível comprovar que, não bastasse toda a agitação além das câmeras, estávamos diante de um grande filme.
Adaptações de Batman, um dos mais populares heróis dos quadrinhos, vêm desde a década de 1960, quando foi exibida a série televisiva famosa por suas onomatopeias visuais. Tim Burton ressuscitou o homem morcego no início da década de 90, conferindo-lhe um pouco mais de sisudez, mas ainda numa atmosfera onírica. Veio depois Joel Schumacher, que desmoralizou de vez a série, vestindo-lhe uma roupagem kitsch em duas produções sofríveis.
Cristopher Nolan foi o encarregado de devolver-lhe a aura de herói atormentado, tendo cumprido sua missão com honradez no ótimo ‘Batman Begins’. Finalmente a franquia ganhava o tom sombrio e soturno imprimido por Frank Miller, o mais notório de seus desenhistas. Os traços foram aperfeiçoados e ganharam contornos ainda mais aterradores em ‘Cavaleiro das Trevas’, que já entra para a história como uma das melhores (senão a melhor) adaptações de quadrinhos transpostas para as telas.
Mais uma vez, Christian Bale dá vida ao homem morcego, que segue combatendo o crime em Gothan City com a ajuda da ala honesta da polícia, liderada pelo comissário Frank Gordon (Gary Oldman). Em seu interior, o herói continua uma pessoa atormentada, principalmente ao ver a amada Rachel (Maggie Gyllenhaal, substituindo Katie Holmes) trocá-lo pelo íntegro promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart). Mas quem realmente vem para lhe tirar o sono é o Coringa (Heath Ledger), que instala o terror na cidade com novos e cruéis métodos criminosos.
O Coringa de Ledger é algo à parte, que faz dele o verdadeiro protagonista. A maquiagem borrada, o olhar desafiador, a risada sarcástica que acompanha o humor negro fazem dele um vilão único. Anarquista, sádico, psicótico. Adjetivos que ganharam um caráter ainda mais macabro depois que o ator foi encontrado morto meses antes do lançamento do filme, vítima de overdose acidental de medicamentos. Entre as lendas hollywoodianas está a de que sua depressão seria resultado do empenho para dar vida ao personagem.
Sombria e aterradora, a Gothan City de ‘Cavaleiro das Trevas’ é uma metáfora dos nossos dias atuais, das metrópoles onde o caos se instalou e a criminalidade se aproxima do primeiro poder. Não há mais super-heróis, apenas criaturas oprimidas e encurraladas pela crescente impotência. Há o dilema existencial de Bruce Wayne/Batman e a ambigüidade moral do promotor Harvey Dent (figura-chave da história). Mais do que nunca, a arte copia a vida.

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