domingo, 19 de junho de 2011

Razão e sensibilidade


Sou um grande admirador de Sofia Coppola. Em primeiro lugar por ser filha de quem é (o gênio Francis Ford Coppola), mas especialmente porque conseguiu se desvencilhar da sombra do pai e consolidar uma carreira com identidade própria. Ao invés da grandiloquência dos filmes de Francis, Sofia aposta em histórias humanas, enfocando sempre personagens que vivem uma espécie de autismo social, deslocados do mundo no qual caíram. Não é diferente em ‘Um Lugar Qualquer’, que não apenas reafirma essa característica, mas principalmente distancia a diretora do cinemão norte-americano que consagrou seu pai.
A cena de abertura já resume quem é o personagem principal da história. A câmera fixa exibe uma Ferrari possante, que passa a toda velocidade e logo deixa o enquadramento. Vemos a mesma imagem repetidas vezes até que o carro finalmente para e dele sai Johnny Marco (Stephen Dorff), com seu olhar perdido. Astro do cinema, sua vida se assemelha a essa sequência, que de início parece algo inusitado e emocionante, mas logo se revela uma entediante corrida em círculos.
Johnny mora no Chateau Marmont, um dos mais famosos hotéis de Hollywood, por onde passam muitas celebridades. Ele tem tudo o que os pobres mortais gostariam de ter: muito dinheiro, um carro de luxo, tempo de sobra para beber whisky e champanhe em festas ou se divertir com garotas em seu quarto. Seu trabalho se resume a atender o telefone e receber as coordenadas para uma sessão de fotos, uma viagem promocional ou alguma gravação, sem nem precisar pensar muito.
Esse vazio existencial é quebrado pela presença da filha de 11 anos, Cleo (Elle Fanning), com quem Johnny se vê obrigado a passar uns dias a mais que o habitual. Você já deve ter visto essa história centenas de vezes, do adulto que de repente tem a rotina de sua vida transformada por uma criança. A forma com que Sofia Coppola conduz essa transformação, no entanto, é o que foge do script tradicional. Ao invés do choque seguido de uma transição com altos e baixos, o processo transcorre com extrema naturalidade. Sem didatismo, a relação entre pai e filha é construída com poucos diálogos, olhares expressivos e nenhuma pieguice.
É possível reconhecer em ‘Um Lugar Qualquer’ traços das obras anteriores da diretora, especialmente ‘Encontros e Desencontros’. Nos momentos em que a dupla viaja por outros países, Sofia faz questão de deixar sem tradução os diálogos em outras línguas, compartilhando a sensação de deslocamento de seus personagens. Há quem diga que os dois filmes se assemelham, que Sofia praticamente repetiu a história anterior. Não vejo dessa forma. ‘Um Lugar Qualquer’ me parece um filme mais maduro e mais intimista, com um significado maior nas entrelinhas, sem que esboce algum cinismo.
Com um ritmo mais lento que em seus outros filmes, Sofia Coppola segue o caminho inverso daqueles que a imaginavam mais próxima do primeiro time de Hollywood. Seu estilo parece cada vez mais distante da produção geral norte-americana. É crítico sem perder a sensibilidade e racional sem perder a inventividade.

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