segunda-feira, 11 de abril de 2011

Pedantismo versus humanismo



Na edição do Oscar deste ano, muitos brasileiros (confesso que eu, inclusive) ficaram na torcida pelo documentário ‘Lixo Extraordinário’. Ainda que se trate de uma produção estrangeira, o filme está diretamente ligado ao Brasil por enfocar o trabalho de um dos principais artistas plásticos do País, Vik Muniz, em uma comunidade do Rio de Janeiro. O filme saiu da premiação de mãos abanando (foi derrotado por ‘Trabalho Interno’, que trata da crise econômica mundial) e, após assisti-lo, vejo que o resultado foi justo. Não pelos méritos do vencedor, que ainda não vi, mas pelos problemas de ‘Lixo Extraordinário’, uma produção questionável sob todos os aspectos.
Resultado de um trabalho de dois anos, o filme nasceu da proposta de Vik Muniz em realizar uma obra que pudesse envolver e transformar alguma comunidade carente. O local escolhido foi o Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), onde está aquele que é considerado o maior lixão da América Latina. A idéia era retratar os personagens que vivem no local, tirando seu sustento do material reciclável, através de imagens reproduzidas com esse tipo de produto. O documentário acompanha desde a concepção do projeto até o seu resultado final, quando um quadro é vendido em Londres a cifras milionárias.
O incômodo causado por ‘Lixo Extraordinário’ se revela logo em sua abertura. É exibido o trecho de uma entrevista do artista plástico no programa de Jô Soares, onde se resume a importância do protagonista a ser apresentado, um brasileiro consagrado internacionalmente. Na sequência, vemos Vik, sua esposa e seu assistente, todos brasileiros, conversando em inglês sobre o projeto que pretende “transformar” uma realidade. É como a Liga da Justiça discutindo em que buraco do terceiro mundo eles vão dar exemplo de salvadores da humanidade.
Mais do que ser apresentado pelo documentário como um super-herói, o próprio artista plástico demonstra acreditar nessa ideia. Os primeiros contatos com a comunidade do lixão reforçam essa sensação de petulância e pedantismo, que faz com que os primeiros minutos do filme se assemelhem mais a um produto do chamado “marketing social” do que um documentário cinematográfico. Somente a partir da entrada dos catadores, os verdadeiros personagens da história, é que o filme cresce e ganha contornos de cinema.
Tião, o articulado líder comunitário, Isis, a vaidosa catadora que não gosta de sua atividade, Suelem, a esforçada mãe, e Zumbi, o intelectual autodidata, são alguns dos personagens que enchem a tela com seu carisma e suas histórias de vida. Quando eles estão no comando da narrativa, o filme se mostra um documentário forte, bem estruturado e carregado de humanidade. Porém, ao mesmo tempo em que acompanha a transformação sofrida pela intervenção artística, não se aprofunda nas reais consequências que isso trará para suas vidas. 
Uma das explicações para ‘Lixo Extraordinário’ ser um filme tão irregular pode estar no fato de que, ao longo dos dois anos em que foi rodado, passou pelas mãos de três diretores: a inglesa Lucy Walker e os brasileiros João Jardim e Karen Harley. Entre erros e acertos, vale como um retrato um tanto superficial da problemática do lixo, mas potencializado pela riqueza de seu material humano.

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