domingo, 3 de julho de 2011

Realismo frenético


Se existe um termo que jamais poderá ser aplicado ao cinema do escocês Danny Boyle é realista. O diretor de ‘Trainspotting’ e ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ pode até se utilizar de histórias humanas ou corriqueiras, mas em momento algum abriu mão de colocar seu toque de devaneio, um surrealismo beirando o publicitário, que às vezes funciona, outras vezes não. Por isso, surpreende que o cineasta tenha levado para as telas uma história real, crua e tão impactante como a de ‘127 Horas’.
Em 2003 o montanhista americano Aron Ralston partiu sozinho para o cânion Blue John, em Utah, onde passaria o final de semana. Um acidente fez com que ele ficasse em uma fenda, com seu braço preso a uma pedra, da qual só conseguiu se livrar amputando o próprio membro.  O tempo durante o qual viveu esse drama compreende as 127 horas do título. O relato se transformou em um livro (‘Between a Rock and a Hard Place’), escrito pelo próprio Ralston, no qual Danny Boyle se inspirou para realizar o filme.
Nas mãos de outro diretor, talvez estivéssemos diante de um filme seco, quase torturante, dadas as condições de seu protagonista. Mas Danny Boyle é Danny Boyle e, fiel ao seu estilo, conseguiu imprimir outro ritmo na narrativa. Ao invés de se concentrar na angústia de seu personagem, o filme se abre para o imaginário onde Ralston encontrou forças para se manter vivo. Uma opção que acaba valorizando muito mais o aventureiro, já que leva o espectador não a sentir pena, mas a compartilhar essa energia.
Aron Ralston é interpretado pelo jovem ator James Franco, indicado ao Oscar por sua interpretação. Não foi uma tarefa fácil, visto que Franco carrega o filme praticamente sozinho. À exceção de uma breve sequência no início, quando encontra duas jovens no parque, e de alguns flashbacks, o ator não compartilha a cena com ninguém, a não ser a rocha que insiste em não deixá-lo ir embora e com uma câmera de vídeo, através da qual faz registros bem-humorados.
Para quebrar essa monotonia e se livrar das amarras que fariam de ‘127 Horas’ um filme estático, o diretor se vale das memórias de Ralston e de seus delírios enquanto permanece preso na fenda. É a deixa perfeita para Boyle explorar seus habituais truques como imagem desacelerada, tela dividida, montagem frenética e abuso nas cores. Convenhamos que o cenário contribui em muito para a exploração de belas imagens, e a fotografia de Anthony Mantle e Enrique Chediak é arrebatadora.
Há quem se sinta incomodado com os maneirismos e exageros visuais de Boyle, que, de fato, utiliza-os muitas vezes para camuflar os defeitos de seus roteiros. No caso de ‘127 Horas’, por exemplo, o relacionamento passado do protagonista parece algo completamente deslocado da história, usado apenas para acrescentar algum toque romântico. No entanto, é um filme muito mais rico e honesto que o tão celebrado ‘Quem Quer Ser um Milionário’. Como tantas outras produções cinematográficas, é uma história de superação. A diferença é que consegue trabalhá-la na acepção do termo, sem jamais subestimar o personagem, seus defeitos e qualidades.


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