segunda-feira, 16 de maio de 2011

Loco por ti, América


Existe um longo território a ser explorado por nós brasileiros na América do Sul. E não estou falando apenas de percorrer distâncias ou conhecer a língua espanhola. A cinematografia de nossos vizinhos já foi abordada neste espaço algumas vezes, destacando obras que dialogam com nossa cultura e que têm muito a contribuir à forma com que os brasileiros tratam sua produção. Recentemente, assisti a duas produções sul-americanas, o argentino ‘Abutres’ e o uruguaio ‘Gigante’. Produções com temáticas diferentes, tratamentos distintos, mas que têm em comum uma certa naturalidade em se fazer cinema, uma intrigante capacidade em tirar do cotidiano matéria-prima para grandes histórias.
‘Abutres’ é o mais recente, lançado no Brasil no final do ano passado. Dirigido por Pablo Trapero, um dos principais nomes do cinema argentino, é protagonizado por Ricardo Darín, galã portenho que se tornou mais conhecido dos brasileiros com o oscarizado ‘O Segredo de Seus Olhos’. Logo na abertura do filme, uma estatística sobre acidentes de trânsito expõe uma premissa assustadora: a máfia que funciona por trás dessas ocorrências, que permite que seguradoras enriqueçam com o sofrimento alheio.
Darín é Sosa, um advogado que vive de se aproveitar de vítimas com pouco conhecimento. Não é exatamente um vilão, mas alguém que trabalha de forma escusa com, digamos, princípios. A partir do momento em que ele se envolve com Lujan, uma médica socorrista, seus conceitos começam a ser revistos. Porém, escapar do submundo em que está mergulhado é muito mais difícil do que se imagina. E a narrativa, que começa como um drama urbano, vai ganhando contornos de thriller realista. Com um tratamento cru, sem abusar de requintes visuais, Trapero constrói um misto de drama, suspense e crítica social, que apesar de perder a força em alguns momentos, mantém o vigor até seu desfecho.
Bem menos pesado é o uruguaio ‘Gigante’, lançado em 2009, mas ao qual somente agora tive a oportunidade de assistir. Dirigido por Adrian Biniez (argentino radicado no Uruguai), é daqueles raros filmes que possuem uma história extremamente simples, mas que cativam de uma forma até difícil de explicar. Jara é o tímido e solitário segurança de um supermercado, cujo trabalho é monitorar as câmeras de segurança. Julia é uma das faxineiras que fazem a limpeza do local. Após vê-la na tela, o jovem passa a desenvolver uma obsessão pela colega, seguindo-a o tempo todo, ainda que sem a coragem de dizer-lhe uma palavra.
Não há grandes mistérios na narrativa. Apenas uma câmera que acompanha com sensibilidade e compaixão uma paixão platônica. A capacidade com que o diretor consegue criar situações simples sem fazer com que o espectador se sinta frustrado ou aborrecido é o grande trunfo de ‘Gigante’. Assim como em ‘Abutres’, prevalece um curioso talento latino-americano para explorar a vida real sem nos sentirmos maiores ou menores que o mundo. Talvez haja alguma coisa na água do Rio da Prata que seja preciso experimentar.

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