domingo, 21 de agosto de 2011

Tributo equivocado



Duas grandes referências do cinema cult contemporâneo. De um lado, o cineasta Zhang Yimou, responsável por abrir os olhos do mundo ao cinema chinês no final da década de 1980. De outro, os irmãos Coen e seu primeiro filme, ‘Gosto de Sangue’, considerado uma obra-prima do cenário independente norte-americano. Juntos, os dois deram origem a ‘Uma Mulher, uma Arma e uma Loja de Macarrão’. Título suntuoso para uma produção que não chamou a atenção dos cinéfilos e, pior, está longe de fazer jus às suas gloriosas origens.
Hoje uma espécie de Steven Spielberg da China, Zhang Yimou teve uma ideia interessante: refilmar ‘Gosto de Sangue’, transpondo a ação para o seu país e alguns séculos antes. Rodado em 1984, a produção dos irmãos Coen era um film noir barato que abusava do nonsense e do humor negro para contar a história do marido traído que contrata um detetive para matar a mulher e o amante. O filme revelou para o mundo o talento hoje consagrado dos irmãos Joel e Ethan Coen, tornando-se um verdadeiro clássico contemporâneo.
Acostumado a trabalhar com produções suntuosas, cheias de luxo e esmero estético, Zhang Yimou não abandonou suas características para adaptar a obra. Da atmosfera lúgubre do Texas, passou-se ao belo cenário de montanhas no deserto chinês. Em um vilarejo no meio desse terreno está a mulher do título, casada com o velho proprietário da respectiva loja de macarrão. A arma também aparece logo no início do filme, adquirida como um artefato mágico, já que àquela época a pólvora ainda é uma novidade.
Abusada pelo marido, a mulher mantém um caso com um funcionário da loja. Suspeitando da traição, o velho contrata um detetive para investigar os amantes. Ao receber a confirmação, faz uma proposta para que o mesmo detetive mate o casal. A partir daí tem início uma trama marcada por reviravoltas e acontecimentos trágicos. É o velho estilo dos irmãos Coen, em que se instala entre os personagens uma teoria do caos, onde um evento tem consequências que vão se multiplicando de forma cada vez mais contundente.
É uma pena que nas mãos do consagrado cineasta chinês essa proposta não surte os mesmos efeitos. Primeiramente porque Zhang Yimou trocou a ironia do filme original por um tom circense. Os personagens são caricatos ao extremo, chegando a lembrar em alguns momentos as comédias de kung fu dos anos 70. A impressão é de que o diretor quis fazer uma sátira sobre os estereótipos da cultura oriental: o patriarca autoritário, o funcionário público corrupto, a esposa reprimida, o tolo onipresente. Até seria interessante, mas desde que esses personagens estivessem à altura da complexidade da trama. Pelo contrário, são rasos e não despertam o mínimo de carisma.
Com um roteiro que não se decide entre ser uma comédia farsesca, um filme policial ou um drama de época, ‘Uma Mulher, uma Arma e uma Loja de Macarrão’ fica sempre no meio do caminho. Até mesmo as belas imagens parecem um tanto deslocadas em meio à soturnidade da história. Na dúvida, o melhor mesmo é ver ou rever ‘Gosto de Sangue’.


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