quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O despertar de um cineasta



Existe um estranho conceito no cinema brasileiro atual, de que aquilo que é feito para as massas não deve exigir muito de seu espectador. Consequentemente, abre-se espaço para uma outra vertente, onde causar estranheza é praticamente obrigatório para não correr o risco de ser enquadrado no filão popularesco. O resultado é uma polarização entre baixa qualidade para as massas e pretensão em excesso para plateias alternativas. Nesse momento de crise de identidade, ninguém melhor que Selton Mello, exemplo de talento e popularidade incorporados, para romper com esse desconfortável paradigma.
Ver ‘O Palhaço’, segundo filme de Selton como diretor, foi uma das experiências mais gratificantes que vivi na tela grande este ano. Não apenas por ser um belo filme, mas justamente por dar um novo alento à produção nacional, que há tempos parece ter se metido em um buraco negro. Seu novo filme vai em uma direção tão familiar aos vizinhos argentinos, mas incompreensivelmente tortuosa para os cineastas brasileiros: o de um cinema que dialogue com o grande público sem abrir mão de suas qualidades artísticas.
Surpresa ainda maior para quem viu sua estreia na direção, ‘Feliz Natal’, um drama denso, pesado, que fugia da imagem simpática do ator e se aproximava do cinema independente norte-americano. ‘O Palhaço’ nos apresenta um Selton Mello diferente: mais maduro, menos amargurado e com uma ciência maior daquilo que pretende como diretor. Com mais humor, mais cores e uma linguagem mais próxima do grande público, o filme faz rir sem em nenhum momento abandonar a aura melancólica presente desde sua abertura.
O personagem título é Benjamim (interpretado pelo próprio Selton), que em seu trabalho é conhecido como o palhaço Pangaré. Guardadas as devidas proporções, é uma espécie de Buster Keaton, conhecido como ‘o comediante que nunca ri’. Com a pintura no rosto, arranca risos de plateias pelo interior ao lado do pai (Paulo José), o palhaço Puro Sangue. Fora do picadeiro é um sujeito em busca de identidade, que mal consegue esboçar um sorriso, sonhando em comprar um ventilador e indeciso quanto aos rumos de sua vida.
Em um primeiro momento, ‘O Palhaço’ se apresenta como uma homenagem ao universo circense, cada vez menos em voga nas grandes cidades. Em outras oportunidades, remete ao humor inocente de grandes nomes como os Trapalhões e Mazaroppi. Mas Selton Mello vai muito além da simples nostalgia. Com um argumento aparentemente simples e de fácil absorção para o espectador, o jovem diretor nos conduz para uma viagem interior cheia de nuances, enriquecida por personagens caricatos, porém cheios de vida. 
Assim como ocorreu em ‘Feliz Natal’, Selton Mello reforça sua habilidade em selecionar os atores com que trabalha. Além de sua própria interpretação e a de Paulo José, suficientes para encher o filme, há o brilhantismo de algumas participações especiais, como as de Moacyr Franco e Jorge Loredo, intérprete do célebre personagem Zé Bonitinho. Melhor do que o prazer em assistir a um belíssimo filme é a sensação de ver nascer um cineasta promissor, que tem talento e cacife para dar a chacoalhada que o cinema brasileiro vem precisando.


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