Steve Soderbergh é um cineasta curioso, que não cabe em um rótulo ou estereótipo. É alternativo demais para integrar o primeiro escalão de Hollywood ao mesmo tempo em que é muito mainstream para fazer parte da ala cult. Por mais que tenha ensaiado, jamais conseguiu ser unanimidade entre público ou crítica. Mostrou-se tão talentoso com ‘Irresistível Paixão’ e ‘Traffic’ quanto enfadonho com ‘Che’. Ou seja, é alguém de quem pode se esperar qualquer coisa a cada novo trabalho. Inclusive um filme envolvente e bem estruturado como ‘Contágio’.
Confesso que não esperava grande coisa de ‘Contágio’, que parte de uma premissa já explorada e regurgitada no cinema atual. De repente, uma misteriosa epidemia toma conta da humanidade: o que começa aparentemente como uma gripe mata as pessoas em questão de horas e se propaga a uma velocidade assustadora. Ingredientes perfeitos para bolar sequências de histeria coletiva, correria desenfreada, histórias patéticas de amor e heroísmo enquanto a humanidade tenta se salvar.
Porém, Soderbergh toma um caminho diferente. Primeiramente, não perde tempo com preliminares e rodeios para entrar no que realmente interessa. Logo na abertura vemos a personagem que dará o start para toda a catástrofe: uma executiva (Gwyneth Paltrow) que, ao retornar de Hong Kong, passa mal e morre de forma aterradora. Com ela, outras pessoas infectadas ao redor do mundo vão tendo o mesmo destino, em uma sequência de poucos minutos, mas de alta intensidade. Sem rodeios, o espectador é jogado para o centro do furacão prestes a se formar.
Retomando a fórmula utilizada em ‘Traffic’, Soderbergh explora a narrativa fragmentada, focando personagens diversificados em diferentes lugares. Temos o marido da executiva morta (Matt Damon), que tenta a todo custo proteger a filha, uma expert em epidemias (Kate Winslet) trabalhando para tentar controlar a doença, uma pesquisadora em busca das origens do problema (Marion Cotillard), um jornalista (Jude Law) de caráter dúbio levantado teorias da conspiração e uma cientista que acredita na cura para o mal.
Um cineasta popularesco qualquer apostaria na fórmula chavão de eleger um herói (ou um casal, como é de praxe) e conduzir a trama de modo a chegar em um final triunfante, em que o bem vence o mal. Já Soderbergh divide a responsabilidade entre todos esses personagens centrais, que de alguma forma contribuem para solucionar o problema, mas também se mostram frágeis e impotentes mediante uma ameaça tão poderosa. Com algumas exceções, não há espaço para subtramas melosas ou amenidades. Como em um documentário ou um reality show, o espectador também entra em uma corrida contra o tempo e a natureza.
Na contramão das grandes produções, o clima de terror de ‘Contágio’ é quase minimalista. Vem da expressão das pessoas, do detalhamento dos gestos, do medo da aproximação e da sensação de acuamento. Mais do que a doença, Soderbergh reforça que o ser humano é um mal por si, cujo egoísmo é mais contagioso e fatal do que qualquer enfermidade.