quinta-feira, 24 de março de 2011

Ficção versus realidade



É lamentável como alguns vícios do cinema brasileiro, e de alguns diretores em particular, fazem com que boas histórias sejam desperdiçadas. Veja o caso de ‘Salve Geral’, filme indicado pelo Brasil no ano passado para disputar uma vaga na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. A premissa de usar os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, ocorridos em maio de 2002, como pano de fundo para uma trama romantizada seria uma bela oportunidade de acertarmos as contas com o famoso segmento ‘baseado em fatos reais’. Porém, ainda não foi dessa vez que alguém conseguiu se desvencilhar das armadilhas criadas pela televisão e realizar algo promissor.
Quem se dispôs a tocar o projeto foi Sérgio Rezende, um diretor experiente e bastante acostumado a lidar com personagens reais ou fatos históricos, vide filmes como ‘Lamarca’, ‘Guerra de Canudos’ e ‘Zuzu Angel’. O que poderia ser uma virtude sempre lhe causou problemas, já que no afã de não se desvirtuar da veracidade dos fatos, pecava pelo didatismo exagerado. Na maioria das vezes, a sensação que se tem ao assistir a seus filmes é de acompanhar um misto de documentário escolar com novela da Globo.
Em ‘Salve Geral’ Rezende foge um pouco dessa linha, já que sua protagonista é uma personagem fictícia, cuja história se entrelaça com um episódio real. Advogada por formação, mas professora por conveniência, Lúcia (Andrea Beltrão) vê o filho Rafa (Lee Thalor) parar na cadeia após matar acidentalmente uma garota. Na tentativa de ajudar o jovem, se envolve com membros do crime organizado e vive um pesadelo quando o PCC promove, em pleno Dia das Mães, uma série de ataques e rebeliões prisionais.
Se o roteiro se concentrasse exclusivamente no drama de Lúcia e seu filho na cadeia, já seria um bom começo. No entanto, o diretor quer abraçar o mundo com as pernas e contar várias histórias ao mesmo tempo. Além da professora, vemos também uma tentativa de explicar tudo o que esteve por trás dos ataques criminosos. Surgem subtramas protagonizadas por bandidos, advogados, policiais e até mesmo políticos, que por vezes mais confundem do que esclarecem o espectador.
Aí aparecem os vícios aos quais me referia no início do texto. Por influência da produção televisiva, há uma insistência dos cineastas em explicar tudo direitinho ao espectador, fazer com que ele se sinta informado como se estivesse assistindo a um telejornal. O saldo são diálogos que mais parecem discursos, um denuncismo forjado e sequências constrangedoras de tão inconvincentes. 
Rezende não é nenhum iniciante e mostra que tem habilidades. As sequências de ação, por exemplo, são extremamente bem filmadas. O clima de tensão impresso no desenrolar dos ataques do PCC também é coisa de profissional. Então por que não ousar, fugir um pouco do conservadorismo e deixar de lado os cacoetes da produção televisiva? Andrea Beltrão e Denise Weinberg, que interpreta a advogada Ruiva, impedem que o filme se torne uma catástrofe. Talvez a seleção dos indicados a melhor filme estrangeiro deste ano, de qualidade infinitamente superior a ‘Salve Geral’, sirva para tirarmos algumas lições.

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